É com um enorme contentamento que anunciamos que a DVDteca, que se encontrava suspensa há mais de ano e meio por razões diversas, foi reposta na Bibilioteca da FDUP (cujo catálogo pode ser consultado on-line). Significa isso que, desde ontem, podem novamente os estudantes da FDUP pedir de empréstimo, sem quaisquer custos, qualquer um dos filmes integrantes do espólio propriedade do Cineclube, o qual aloja não só todos os filmes passados nas nossas sessões, como outros avulsos que fomos juntando ao longo dos anos, fruto das amáveis dádivas dos amigos do Cineclube.
Dádivas, essas, que continuamos, naturalmente, a aceitar de bom grado! Por isso, se tiverem filmes repetidos, ou se, pura e simplesmente, acharem que determinado(s) filme(s) faz(em) mais falta numa biblioteca universitária pública como forma de estimular o pensamento crítico e o acesso à arte a milhares de estudantes, basta enviarem email para cineclubefdup@gmail.com.
Depois da sessão dupla de ontem, o Cineclube interrompe a sua programação até Fevereiro, momento em que voltaremos para mais um grande semestre de cinema. Até lá, bons filmes!
Como já vem sendo tradição, o Cineclube FDUP oferece, em vésperas natalícias, uma sessão especial aos seus associados e simpatizantes. "Amor e Revolução" é o pretexto para uma sessão dupla que contará, pelo meio, com um lanche, e onde será feita uma recolha de contribuições para ajudar o Cineclube no prosseguimento na sua missão de divulgação e compreensão do Cinema no meio universitário.
Por isso, esta terça-feira, a partir das 18h, na sala 0.01 (piso do bar), começaremos com "Antes da Revolução" (1964, Bertolucci), faremos uma pausa para lanche e terminaremos com "Zabriskie Point" (1970, Antonioni). Dois filmes que apelam à reflexão sobre o papel dos jovens no terreno político - e tema mais actual não podia existir - e sobre a forma como essa busca pode chocar com outras "buscas": o amor, o crescimento e a descoberta de nós mesmos, o alheamento puro e simples do mundo, o sonhar com uma utopia que não passa necessariamente pelas ideias políticas, entre outras.
Como sempre, o convite é tranversal: sócios, simpatizantes, amigos de amigos, estudantes e não-estudantes, todos estão convidados para um momento de convívio. Até lá!:)
O Cineclube encerra, esta terça-feira, a sua programação regular com o filme Sombras dos Antepassados Esquecidos (1965), de Sergei Parajanov. Pelas 18h15, na sala 0.01. Todos convidados!
Oportunidade, ainda, para anunciarmos o nosso modesto presente natalício. Até lá!
Sobre um dos filmes do LEFFEST' 12 para o qual o Cineclube FDUP ofereceu bilhetes, Nuno Galopim escreve aqui, descrevendo-o como um dos melhores filmes que viu nesta edição do festival.
"Segundo filme de Roberto Minervini, Low Tide é um olhar de poucas
palavras construído em volta do dia a dia de um rapaz de 12 anos, algures numa
pequena cidade americana (pela cena final, imaginamos que seja no litoral),
durante os meses de Verão. Nas primeiras imagens vemo-lo a andar de bicicleta,
dela saindo para apanhar uma cobra que vira entrar numa fissura no solo. Nos
minutos seguintes transporta e arruma gelo, faz uma máquina de roupa... E só
passado um quarto de hora uma voz rompe o silêncio de palavras. É a mãe, que no
seu jeito indolente, lhe pede uma cerveja.
Ao longo dos cerca de 90
minutos do filme pouco mais vemos do que o quotidiano do rapaz e o mundo de
contrastes da mãe (que de dia trabalha num lar de idosos, contando com a ajuda
do filho que por ali almoça, e vive noites ruidosas de festa entre amigos). Mais
de gestos de palavras, Low Tide é também mais feito de olhares que
propriamente de uma trama. A câmara de Roberto Minervini aproxima-se por isso de
um registo documental, procurando observar sem interferir, estudando o espaço,
reparando nas rotinas, sugerindo que, além delas, pouco mais há naquelas vidas.
E o aparente espaço de liberdade total que parece existir na vida do pequeno
protagonista é, afinal, pouco mais que um terreno em potência onde parece que
nada de novo ele próprio já espera que aconteça.
Destacando-se pelo
cruzamento de uma linguagem documental com uma ideia minimalista de ficção,
Low Tide tem como potenciais focos de interesse a espantosa interpretação
do protagonista (Daniel Blanchard ) e uma demanda que parte da sugestão de uma
muito ténue linha narrativa que vive sobretudo do tempo que passa, daquele lugar
e suas personagens. E tal como o realizador ali não procurou mais (nem sequer o
nome da mãe e do filho), não queiramos nós encontrar aqui o que aqui não está."
Embora seja apresentado como um documentário, só o é na sua
definição mais restrita – em primeiro lugar, por não existir uma frieza
analítica subjacente ao normal distanciamento proporcionado
pela imparcialidade jornalística, pelo facto de a entrevista ser conduzida pelo
seu amigo de longa data (apesar de ser filmada várias vezes a lareira
introduzindo uma ideia de quão familiar está a ser a conversa, sempre uma
lovely referência). Não significa necessariamente que estejamos perante um
bias, porém. Enquanto vamos avançando no filme e,consequentemente, no detalhar
dos infortúnios vividos por Polanski, percebemos que este filme constitui quase
um direito de resposta de um individuo perante uma ordem natural e social que
em nada foram fáceis para ele.
Torna-se também díficil rotular este filme de documentário
quando é, essencialmente, uma longa entrevista pontuada com elementos visuais
algo óbvios e literais (e melosos efeitos, diga-se, prestando uma memoir também
ao powerpoint).
Ora, uma das valências anunciadas do filme seria o
entrecruzaro depoimento de Polanski
retratando a sua própria existência e a correlação existente com os filmes que
fez, explorando o normal e esperado acto de transpor, mesmo que inconscientemente,
algo do ADN vivencial para a obra do artista. Esta premissa automaticamente
afastar-lo-ia dos genéricos trabalhos documentais que se limitam a detalhar
informações facilmente alcançáveis na memorabilia de dados que é a Internet. Na
verdade, tal premissa está muito mal concretizada, sendo que só atinge a sua
plenitude quando determinados momentos da vida de Polanski encontram suporte
físico nos seus filmes, como no caso do seu pessoalíssimo O Pianista. Não deixa
de ser interessante/agonizante perceber quão reais são os eventos do referido
filme, porém, e é gerador de lágrimas percebermos o limite entre a ficção e a
simples autobiografia.
Já nos restantes filmes que compõem a obra deste autor, só
nos é dada uma ligeira contextualização do status quo de Roman Polanski na
altura do lançamento de cada um.
Outra falha que se poderá apontar a este filme passa pelo
estilo deficiente de entrevista de x, manipulando Polanski para uma realidade
bem menos agressiva dos factos, fazendo parecer que todas as dificuldades de
vida do realizador sejam uma desculpabilização do erro de Polanski, a suposta
violação de uma menor .
Para além disto, X tem também um desejo desproporcionado de
aparecer, quer seja pela quantidade de vezes que força a sua cara e expressão
nos planos, ou pela necessidade incessante de acabar as frases de Polanski.
Embora estas falhas retirem alguma validade ao filme
propriamente dito, à film memoir, a verdade é que dispõe de uma vantagem óbvia,
que é dar-nos a possibilidade de assistirmos ao discurso directo de alguém tão
interessante quanto Roman Polanski.
Este teve uma vida que, se fosse ficcional, seria com
certeza acusada de ser um melodrama exagerado, cheio de negros twists. Desde a
tocante descrição da vida no bairro judeu (sendo que bairro soa a eufemismo
suburbano para tão real segregação), com toda a luta pela sobrevivência e perda
que iriam influenciar mais tarde as suas opções de vida e, paralelamente,
influenciar a escolha de direcção artística(mormente o facto de parecer uma
redundância, há mais num homem que a sua história pessoal, como prova o seu
ecletismo no que a géneros fílmicos diz respeito), até ao assassinato da sua
esposa grávida por parte do gang de Charles Manson (exactamente o mesmo destino
que a mãe dele sofreu pelas mãos das SS, único elemento coerente na
aleatoriedade trágica da sua vida).
Temos, portanto, um detalhar de todos os infortúnios vividos
por Polanski, que acabam por se confundirem com a própria vida deste, pelo
facto desta se ter desenrolado sempre através da reacção a tragédias.
Tristemente, quando houve algum exercício de livre arbítrio, foi
consubstanciado na violação de uma menor, como já dissemos. Este acaba por ser
um momento central do filme, porque Polanski evita o assunto no que diz
respeito a motivações, preferindo focar-se na perseguição mediática a qual foi
sujeito, surgindo também na persona de vítima. E talvez seja, em parte. Mas
verdadeiramente importantes não são estas situações que irão vera sua importância diluída no tempo. O que
acaba por ser importante é que temos aqui a dimensão humana de um realizador
responsável por grandes obras, e um homem eloquente, cândido e sentimental. Se
errou, ou se o universo errou com ele, serão só valorações que se dissiparão
com o peso da importância do que criou.
News From Home é uma
obra absolutamente pessoal de Chantal Akerman. Por mais óbvia que pareça esta
afirmação, a verdade é que nunca a vemos, nem há outras personagens que a
representem como medium figurado ( como, por exemplo, nos trabalhos mais
recentes de Woddy Allen, em que há uma transferência da sua persona para outro
actor, outra realidade) É necessário atender ao contexto
vivencial de Chantal Akerman para não confundir este filme com uma ode visual à
America suburbana, qual início de Down By Law de Jim Jarmusch: Chantal,
originária de Bruxelas, decide ir viver para os Estados Unidos, mais
concretamente para Nova Iorque. Como qualquer jovem
que viva em saudável contacto com as autoridades parentais, Chantal recebia
cartas da mãe a descrever assuntos familiares e a esgrimir as genéricas
preocupações relativamente à vida da filha: Frio; fome;saúde; cabelo
novo?Fica-te bem;amigos. Esta situação de temporário exílio e a manutenção de
contacto com a sua anterior realidade alimentam de substrato humano o que
conceptualmente é muito simples: longos planos da cidade americana
entrecruzados com a leitura, em voz off, de Chantal do conteúdo das cartas da
progenitora, representação ulterior de tudo o que conhecia e lhe era familiar.
O que torna este
filme tão pessoal não é apenas o facto de serem concretamente as cartas da mãe
de Chantal a serem lidas por Chantal, mas o que nos é deixado ver e ouvir ao
mesmo tempo. Este voyerismo (que parece em tempo real) de algo tão intimo como
a correspondência familiar está submergido não da glamourosa Nova Iorque, mas
sim de paisagens desoladas, naturezas mortas de uma sociedade cinzenta. Vemos,
portanto, a cidade, mas através do olhar de Chantal.
Percebemos, então, a
sinestesia existente entre o que o olhar estranho e frio (real?) de Chantal
opta captar da cidade e os sentimentos sobre ela, sabendo assim que Chantal
sofre. Sofre da quase inevitável alienação urbana e o anonimato traduzível quer
nas ruas vazias à noite quer no metro cheio de gente, onde os sons maquinais
que todos ouvem são o único elemento comum a todas estas vivências e
identidades tão dispares, que deixam de ser importantes na sua
individualidade.A própria voz da mãe e,
consequentemente, a ligação familiar, começa a perder volume e intensidade,
vergando-se perante a inevitável força negativa da distância e do meio urbano. Esta tese de
estarmos a receber a própria valoração da vida de Chantal por telepatia visual
com esta é confirmada no final do filme, num longo plano filmado desde um barco,
que lentamente ,afastando-se da paisagem nova iorquina, demonstra o finalizar
da experiência e o regresso a casa.
Esta lindissíma curta tem como objecto Elliott Smith e o seu
eu transplatado em canções, mais concretamente três musicas (e é aqui que
reside a referida beleza da curta) : Angeles, Between The Bars e Thirteen, tudo
clássicos, ainda que esta última tenha sido apenas editada em álbum póstumo.
Como já referido,
pouco mais acontece aqui que a beleza crua das canções, apesar de alguma
footage do artista a caminhar e a conduzir pela cidade, no clássico estilo de
Jem Cohen. Não há aqui um olhar compreensivo sobre Elliott Smith ou alguma
consideração sobre a vida deste, mas quando as músicas são tão rendilhadas de
sentimentos e profundidade emocional que palavras para além das que canta não
se tornam necessárias.
Curta experimental (naquele sentido clássico em que não
compreedemos muito bem o objectivo, se há algum, subjacente às simples imagens
que vemos) de Chantal Akerman. Talvez o erro seja precisamente a procura de um significado
além do encapsular de determinada realidade, embora talvez nos aborecessemos se
não encontrassemos um propósito maior.
Diga-seque o nome da
curta constitui um spoiler compreensivo de toda a acção, sendo o quarto tudo o
que a camara regista, em flutuante rotação de 360º sobre o mesmo. A única acção
estranha ao elemento espaço, é o facto de Chantal se encontrar no quarto e, por
vezes, trincar uma maçã.
La Chambre, não deixando de fazer sentido
com a restante obra de Chantal Akerman no que diz respeito à percepção do
espaço e a integração do elemento humano neste, não conseguimos deixar de vê-lo
como um exercício menor.
Por muito que os filmes de Chantal Akerman possam divergir
no enredo, e na acção objectiva que apresentam, nunca estão apartados de uma
consciência do espaço de onde se desenrolam, quase como se fossem reflexo da
vida do ser que albergam.Em Hotel
Monterey o espaço arquitéctonico não funciona como mais um elemento subtil de
interpretação psicológica de uma determinada personagem, mas sim o unico
elemento de caracterização existente, retrato de uma flutuante multidão anónima.
A solidão do simples passageiro que nunca parte porque outra figura abstracta
preenche o seu lugar, não há nomes, nem caras, no Hotel Monterey. Apenas a
construção, em tempos com certeza grandiosa, mas agora desolada e esquecida,
por mais que ainda em funcionamento. As paredes despidas e os cantos vazios
demonstram a ausência de pessoas e longas estadias; são nos sítios de passagem
encontramos alguma moldura humana. No elevador, nos quartos, onde param homens
que não se mexem, ainda que num longo plano, se revelam quase como mobília do
local : provavelmente um empregado. Mesmo Chantal (vemos apenas suas costas)
aparece e desaparece de um quarto, mesmo ela é mais uma transeunte sem cara.
Para reforçar o sentimento de isolamento metafórico, o som
está absolutamente ausente deste filme, nem sons ambiente que nos distraiam da
propositada ausência de acção. São 65 minutos de quasi-retratos Hopper-like de
um realismo urbano, consubstanciando a alienação da vida moderna americana (tal
como era objectivo de Hopper, também). A partir dos 30 minutos, a camara começa
a mover-se, e a desenhar esboços de travellings até ao que pode chamar o ponto
de fuga das imagens que apresenta, até ao climax final, a fuga do prédio e o
acesso à skyline americana.
Argumentam os detractores do filme que este não é mais que
uma aborrecida colagem de imagens sem um objectivo prático, a verdade que este,
por mais que seja marcado pela ausência de narrativa, não deixa de ter algo
para dizer. E como é belo o cinema que mesmo com o movimento que o caracteriza estando
algo ausente, consegue transmitir tantas ideias, pelo facto de escolher
objectivamente representar as naturezas mortas tal como elas são.
Tendo como móbil a vinda dos
Genesis a Portugal em 1975, em pleno PREC, Genesis Encore Cascais 75 retrata e
contextualiza toda uma geração de jovens, e de como a liberdade paulatinamente
se iria revelando através da cultura e do acesso a esta. Diga-se desde já, que
ser fã ou não de Genesis não interessa quase nada, interessando apenas, talvez,
para partilhar o entusiasmo com os entrevistados.
Ultrapassando o problema de não existirem
gravações video do concerto (apesar das gravações piratas de audio, que nos são
aleatoriamente apresentadas durante o filme) com bem humoradas entrevistas a
clássicos do mundo da música portuguesa e afins, tais como elementos dos Xutos
e Pontapés, aparecendo como representantes das suas personas adolescentes
relembrando todo o contexto em que se inseriu tal evento.
O ponto chave deste filme é obviamente a memória. A memória na sua
acepção mais lata, de efectivamente aquelas pessoas entrevistadas se lembrarem
perfeitamente de imensos pormenores do concerto e daquele dia, tendo
sobrevivido à inevitável erosão que a selecção de memória proporciona, mesmo à
mais bela recordação. Também é invocada (naquele epílogo algo desinteressante)
a memória na sua acepção mais nobre e histórica, relativamente à necessidade de
preservar a memória como se património de um povo se tratasse. Também, reforça
a necessidade de preservar não apenas as instituições mentais, mas também as
físicas e concretas, como o Dramático de Cascais, que albergou este e tantos
outros históricos concertos, estando prestes a ser demolido.
Quer tenhamos vivido tal época, quer não, é sempre importante nunca o
esquecer um passado recente, tão contextualizador é do presente e de todo o
eventual futuro. Portanto, importante se torna ver este filme e manter tais
eventos na memória colectiva.
Primeiramente, é importante congratular o
DocLisboa e a Cinemateca (embora esta mereça um agradecimento vitálicio pela
mera existência), pela oportunidade incrível que é a revisitação da obra
integral de tão importante cineasta como Chantal Akerman .
Embora estivessemos a referir-nos à obra integral de Chantal, nunca
pensariamos estar perante uma obra em particular que fosse tão integral quanto
esta, no que diz respeito à sua falsa digestão. Para quem apenas tinha tido o
prazer de ver Je, Tu, Il, Elle e Le Rendez-vous de Anna anteriormente a este
ciclo, filmes caracterizados por longos e introspectivos silêncios, reflectindo
alguma falta de sentido e direcção das personagens que serviam um propósito
maior, de ilustração de algum vazio existencial do ser humano e,
consequentemente, das relações que estabelecem entre si, nunca imaginaria ver
um filme deste género, uma comédia ritmada, que ameaça tornar-se em musical a
cada segundo. Embora tal nunca chegue a acontecer, e as palavras nunca cheguem
a ser cantadas, ainda imperam, e são o maior veiculo de comunicação do filme.
Para além deste inesperado choque térmico de mood fílmico, começamos
progressivamente a habituar à substituição da cruezaflagrante dos anteriores filmes para uma mais
ligeira abordagem ao que podemos considerar problemas clássicos constantes da
obra de Chantal Akerman, o isolamento do ser humano, quer face à plasticidade
das relações, quer em relação ao isolamento como uma necessidade, para a
prossecução de um determinado objectivo artístico.
Objectivamente, temos a história
de uma mulher-Catherine – que, na direcção inversa à uterina, muda-se para o
duplex da filha Charlotte, devido à morte do marido. Consigo traz uma
quantidade desproporcionada de bagagem, quer física quer emocional (sendo que a
mala com que não dispensa dormir, repleta de antigos bens domésticos do marido,
como cuecas e maquina de barbear, transformadas em preciosas memórias pelo
toque de midas mental no sobrevivo que a morte constitui, representa bem a
união destas duas dimensões), que desorganiza a vida da filha. Quando o que a
filha mais precisa é uma reclusão artística, por não estar a conseguir escrever
o livro erótico que lhe está encomendado. Por mais que procure no mundo que a
rodeia o erotismo que lhe falta na criação mental, a mãe é uma das únicas
fontes que rejeita, pelo facto na hierarquia feminina que definiu tacitamente
para ela, surgirprimeiro mãe antes que
mulher de plenos direitos.Esta
demonstração da sexualidade latente ser corolário óbvio de ser humano (isto já
seria obvio pela nossa existência ser um extravasar dessa sexualidade latente,
pondo a questão em eufemismos crípticos), surge logo na primeira cena do filme:
ouvimos Catherine, desde fora de plano, a dar instruções relativamente ao
transporte do piano para a sua nova casa, em tom ansioso.Quando a transladação
se dá de forma bem sucedida altera-se o registo da voz, e a mudança para
pequenos gritos de excitação combinada com os picos do sismógrafo respiratório
dão origem a uma não-tão-subtil-assim analogia com um orgasmo.
A diferença entre fuso horário de vida e necessidades entre as duas
mulheres gera uma outra necessidade em Charlotte: a da mudança. Tal
predisposição encontra uma real oportunidade prática quando esta conhece
Popernick, agente imobiliário. Como eventualmente se torna óbvio, este é outros
pontos absolutamente essenciais do filme (e tematicamente, como já referido, do
cinema de Chantal): a mudança, o acto de procura de uma casa representam
figuradamente o sentimento de exílio permanente, e a importante correlação
entre o local de habitação e a identidade pessoal e cultural do sujeito. Tais
realidades são evidenciadas em vários momentos centrais do filme, tais como o
da descoberta de um apartamento decente para Charlotte viver, mas que devido à
desinfecção que foi alvo, emana um cheiro que despoleta recordações das camaras
de gás dos campos de concentração em Popernick, sobrevivente do Holocausto.
Outro importante exemplo dá-se quando Cathrine e Charlotte tentam vender o
duplex e surgem todo o tipo de casais, que representam o positivo e negativo
das relações permanentes, tal como representam o facto da mudança de casa
significa uma alteração das circunstâncias de vida e do relacionamento (Why put
a new adress on the same old loneliness?, cantam os Songs:Ohia, e adequa-se
perfeitamente, embora não estando na banda sonora do filme). Todas estas
pessoas e relações são alegorias, mas complexas e reais, ao ponto de não
parecerem carregar o peso do estereótipo fácil normalmente associado à comum
alegoria. Desde o casal que em nada concorda mas que tem medo de existências
não compartilhadas; a uma mulher grávida infeliz com a sua situação e com o seu
overly-sexual marido; ao casal absolutamente neurótico que julga
milimetricamente todos os elementos da casa, e imagina-se, cita leis e
regulamentos. Engraçado se torna quando todas estas figuras se juntam e tentam
cumprir a normalidade social.
Com todas estas camadas de alguma infelicidade doméstica, dos seus
apêndices relacionamentais e da sua indissociável habitação, alguns padrões de
felicidade e mudança de sorte aparecem também. Porque, tal como a casa, talvez
amanhã encontremos algo melhor, talvez amanhã possamos ser felizes, onde quer
que seja.
O Cineclube FDUP marcou presença no Doclisboa'12 e aqui está o resultado: sete críticas bem fresquinhas, escritas por André Guerreiro.
Se também foste, envia-nos as tuas críticas, comenta, expressa-te! Caso ainda não tenha sido desta que marcaste presença no festival, esperamos pelo menos deixar-te com água na boca.
Temos vencedores!
Ao passatempo lançado pelo Cineclube FDUP no passado domingo a resposta seria Monte Hellman. Assim, deixo aqui a lista de vencedores dos bilhetes oferecidos para o Lisbon and Estoril Film Festival.
Tânia Alexandra Leal da Silva Dias
Jorge Manuel da Silva Morais
Ana Isabel Macedo Falcão Fernandes
Rui Humberto Elisabeth Viegas
É já esta 3ª feira, dia 13 de Novembro, que o melhor cinema da UP regressa à sala 0.01 (piso do bar), da Faculdade de Direito, com O SABOR DA CEREJA(1997), de Abbas Kiarostami, Irão.
O Cineclube FDUP associa-se ao Lisbon and Estoril Film Festival (LEFFEST), tendo 4 bilhetes para oferecer. Aos primeiros a responderem à pergunta "Qual o realizador a ser homenageado hoje - domingo, 11 de Nov. - no LEFFEST?", para o email do Cineclube FDUP será atribuído um bilhete individual para o Festival. A resposta deverá ser acompanhada do nome completo.
Estes bilhetes destinam-se às seguintes sessões:
2 bilhetes individuais para Low Tide, Roberto Minervini, sexta 16 de Novembro, às 19h
2 bilhetes individuais para Rengaine, de Rachid Djaidani, sexta 16 de Novembro, às 22h.
O Cineclube FDUP associa-se ao Lisbon and Estoril Film Festival, realizando um passatempo no blog e no facebook, através do qual poderás ganhar bilhetes diários para o festival. Fica atento, o passatempo será lançado em breve, mal o cartaz esteja fechado!
"A 6ª edição do Lisbon & Estoril Film Festival vai decorrer este ano entre 9 e 18 de Novembro.
À semelhança das edições anteriores, o Lisbon & Estoril Film Festival pretende ser um ponto de encontro entre o público, realizadores, conceituadas personalidades do mundo das artes e um palco permanente de discussão, reflexão, debate e acima de tudo, um espaço onde se descubra ou redescubra a Arte Cinematográfica.
Entre 9 e 18 de Novembro vamos trazer a Lisboa e Cascais: Galas, Filmes, Exposições, Concertos, Performances, Masterclasses, Leituras e um Simpósio Internacional, tendo já confirmadas as presenças de reconhecidos atores, realizadores, artistas, estilistas."
Infelizmente, por razões logísticas iremos alterar novamente a programação. Ao contrário do que é habitual, passaremos um filme que não consta da programação geral do Cineclube FDUP para este semestre.
Neste sentido, dia 30 de Out., pelas 18h15, na sala 0.01 o Cineclube FDUP apresenta Meet John Doe, um filme de Frank Capra, 1941, EUA.
Novamente apresentamos as nossas desculpas pela alteração inesperada do filme, esperando que tal não impeça a vossa presença.
Esta terça-feira, dia 30 Out., o Cineclube FDUP exibe, pelas 18h15, na sala 0.01 (piso do bar), O SANGUE, primeira obra de Pedro Costa, e filme-referência da geração de realizadores portugueses emergente nos anos 80 (além de Costa, João Canijo, João Botelho, Teresa Villaverde), que bebeu, em parte, os ensinamentos e a linguagem do "Cinema Novo" dos anos 60 (César Monteiro, Paulo Rocha, Fernando Lopes).
Ao contrário do que consta do cartaz, não passaremos, por razões logísticas, "Sombras dos Antepassados Esquecidos", cuja exibição fica, assim, adiada para dia 27 de Novembro. Por esse motivo, os Cineclube pede, desde já, as suas desculpas.
Esta Terça-Feira, dia 16 de Outubro, pelas 18:15, na sala 0.01, o Cineclube FDUP apresenta CONTOS CRUÉIS DA JUVENTUDE, um filme de Nagisa Ôshima, 1960, Japão.
A entrada é gratuita, aparece!
Aqui fica a crítica a F, DE FRAUDE (Orson Welles, 1972), pelo André Guerreiro.
Orson Welles catalogou o filme F For Fake de “a new kind of film”, e
podemos perceber porquê, quando tentamos cometer o perigoso acto de tentar
rotular de forma padrão este filme. Podemos atender ao facto de cada apropriação
da realidade na forma de celuloide ser um tipo de mentira, que a própria
essência do cinema é ser uma ilusão de realidade, por mais que se tente
aproximar desse absoluto. Ser mais que um afloramento artificial de uma
realidade que não pode ser encapsulada porque limitada a um tempo próprio,
apenas podendo ser reinventada, reinterpretada pelo indivíduo, com todo o
esbatimento e valoração que a percepção de cada um selecciona. E é exactamente
por esse facto, pelo facto da realidade
se tornar apenas arrogante sinónimo de percepção individual quando atinente à
valoração de algo tão indeterminado como a arte, dificilmente chamaremos a F
For Fake um documentário. Pela forma livre como desconstrói o que
essencialmente podemos chamar de todo um grande truque de magia, porque combina
elementos verdadeiros (como será a carne dos participantes e os supostos factos
reais, por na consciência colectiva serem dados como provados) e ficção,
ilusão, mentiras, a manipulação de tudo o que vemos, mesmo desses factos
verdadeiros. E é assim mesmo que começa o filme. Orson Welles, actor na pele de
um mágico, diringindo-se a uma criança (que poderá simbolizar a clássica
ingenuidade do espectador permeável a qualquer mentira que lhe possam impingir
quando exposta num determinado formato artístico) demonstra o seu poder de
transformar a realidade, na forma de uma chave que dá lugar a uma moeda,
voltando a ser uma chave. Todo o tipo de metáforas poderiam ser diagnosticadas
nesta pequena introdução, embora Orson Welles nos diga que a “chave não é um símbolo”.
A chave, que mereceu tanto ênfase, e que tanto focamos a nossa atenção, embora
distraídos pelos sucessivos cortes e mudanças de planos, demonstra-nos
exactamente a exagerada tendência de imbuir simbologia num mero objecto, que
pensamos representar algo mais que a sua simples existência objectiva. Tal
processo de preencher um vazio com um exagero de significado, e a facilidade
com que a nossa percepção é conduzida por uma outra visão, sem questionar, é
importante para as questões que mais tarde serão colocadas em relação à arte, e
à sua validade e seu mercado, que são controlados também pela visão de inquestionável
autoridade, na figura dos experts. Em ultima análise, ocorre o mesmo com o
cinema, pois a edição, mecanismo consubstanciado nos rápidos e fluidos cortes que
funcionam como um mosaico onde as peças apenas são unidas pela volátil
argamassa da realidade, funcionam como um truque de magia. A nossa visão e
posterior entendimento são manipulados, sendo-nos permitido apenas uma visão
parcial do que está a acontecer/aconteceu realmente. Na cena inicial, vemos o
truque de magia na sua forma perfeita, tal como mais tarde veremos os factos
que formam a história propriamente dita, mas Welles permite-nos ver a moldura
dessa realidade: a camara, a equipa de produção, as luzes, a tela branca. O
próprio cinema é um truque, mas os objectos e os factos não deixam de existir,
tal como a chave não perdeu a sua materialidade.
Embora todas estas questões sejam imediatamente visíveis nos primeiros
minutos de filme, a principal camada cutânea deste camaleónico filme em termos
de guião é o documentar da vida de o provavelmente maior falsificador de arte
do século XX, Elmyr de
Hory (sendo este apelido também camaleónico, se entendermos a justiça e a
polícia como o predador). Elmyr,
emigrante hungaro ficou conhecido por forjar na perfeição quadros de mestres
como Picasso, Matisse, ou Modigliani, nunca tendo sido reconhecido nos
trabalhos em que assina o próprio nome. Talentoso ao ponto de conseguir
passar-se por uma miríade de artistas dignos de eterno reconhecimento, mas
nunca reconhecido como um artista de direito próprio. Pode Elmyr ser
considerado um artista? A noção de artista e a de nome e reconhecimento do
mesmo parecem ser indissociáveis. Esta questão dá origem ao momento mais
pungente e honesto do filme, em que Welles reflecte quase como se suspirasse e
a sua própria voz, antes teatral e forte, se vergasse perante a realização do
poder do homem de transcender a sua finitude. E que esta intemporalidade da
obra não perde significado por não ser acompanhada pela herança de um nome. “Maybe
a man’s name doesn’t matter all that much”, quando a arte constitui mais a
prova da grandeza do Homem que de um homem em particular, quando o detalhe
desaparece e só existirem ecos do que um dia será, inevitavelmente, um passado
distante.
Tal como o nome dos trabalhadores da catedral nunca será lembrado,
quando a memória e nome do falsificador desaparecer, o seu legado continuará a
existir. Mesmo que não tenha o seu nome, o real engolirá
o que outrora foi mentira e fraude, e um Modigliani de Elmyr será apenas um
Modigliani.Nunca deixando de ser Elmyr, mas de tal ninguém saberá, como se de
um truque que o mágico nunca revelou se tratasse. A fraude e a mentira só o
serão se detectadas, e é tão fácil enganar quem está habituado a ter razão
(como o espectador que não questiona, e o expert que não se concede a falhar),
como provam os minutos finais do filme. A questão torna-se, então: Essa simples
detecção provoca o retirar da obra do pedastal do que lícito ser arte?
Dia 10 de Outubro, quarta-feira, a Milímetro faz a sua rentrée com A nossa forma de vida (2011), de Pedro Filipe Marques, filme vencedor do prémio Melhor Primeira Obra no doclisboa 2011. Desfaçam as dúvidas que ainda possam ter sobre ir depois de verem o trailer abaixo.
É já esta 3ª feira, dia 2 Outubro, que o melhor cinema da UP volta à sala 0.01 (piso do bar), da Faculdade de Direito, com F, DE FRAUDE (1975), de Orson Welles.
A sessão tem início às 18h15, com a apresentação do Tiago Ferreira (FCUP).
Para este semestre, o Cineclube propõe uma programação rica e diversificada que, como sempre, tem como escopo fundamental a sensibilização para as diferentes estéticas e filmografias da história do cinema, procurando "saltar" entre épocas, correntes e geografias. Deste modo permitindo ao público apalpar o terreno para, posteriormente - espera-se -, explorar mais por si e desenvolver os seus gostos próprios.
Assim, começaremos, já esta terça-feira, dia 2 de Outubro, com F, DE FRAUDE (1975), documentário paredes meias com a ficção (ou efabulação), assinado por um dos maiores realizadores da história, Orson Welles (com intervenção activa no próprio filme). Nova aposta, portanto, no registo documental (com as reservas acima mencionadas) por parte do Cineclube, e oportunidade para ver um dos filmes menos falados do cineasta americano.
A 16 de Outubro, Mizoguchi deixará de ser o único representante do cinema japonês no histórico das programações da casa. Nagisa Ôshima, um dos expoentes do cinema japonês pós-clássico, trará CONTOS CRUÉIS DA JUVENTUDE (1960), filme percursor da Nuberu Bagu japonesa, corrente integradora do movimento, mais genérico, das novas vagas que, por volta dos anos 60, e tendo em Godard, Truffaut e companhia o seu epicentro, emergiu um pouco por todo o mundo, desconstruindo a linguagem cinematográfica clássica e questionando os seus paradigmas teóricos e técnicos. No caso nipónico, a Nuberu Bagu significou, poder-se-á dizer, um duplo corte: cinematográfico, na medida em que revoluciona a forma de fazer cinema dos clássicos (Ozu, Naruse, Mizoguchi); e cultural, por retratar um Japão também ele pós-clássico, isto é, um Japão "ocidental", sob influência dos EUA, com tudo o que de mais virulento isso acarretou (o consumismo, a violência, a sexualidade, o rompimento da família, o desnorteamento da juventude, o abuso de bebidas alcoólicas, etc.).
30 Outubro será o dia de Sergei Parajanov, realizador em contra-corrente com a ditadura soviética da "arte socialista", e que teve em SOMBRAS DOS ANTEPASSADOS ESQUECIDOS (1965) um dos seus grandes filmes, fruto de um brilhantismo técnico e visual que o aproxima de Tarkovsky, não descurando, simultaneamente, o seu interesse pelo mundo rural e foclórico da Ucrânia soviética.
Seguiremos com O SABOR DA CEREJA (1997), o aclamado filme do iraniano Abbas Kiarostami, outra estreia absoluta no Cineclube, que lhe valeu a Palma de Ouro, em Cannes, em 1997
A fechar a programação para este semestre, nova aposta no cinema português, como que para deixar bem acessível aquilo (o cinema de autor nacional) que o mercado não deixa. Depois da exibição de "Mutantes", o Cineclube FDUP propõe aquele que é um dos grandes filmes na história do cinema português: O SANGUE (1989), o primeiro filme de Pedro Costa, realizador multi-premiado no circuito internacional, mas que tem vindo, no entretanto, a construir uma abordagem cinematográfica distante dessa primeira obra. Oportunidade, também, para apreciar dois grandes actores de uma geração: Pedro Hestnes e Inês de Medeiros.
Em Dezembro, o Cineclube oferecerá uma sessão especial e, quem sabe, algo mais!
Até terça-feira, às 18h15, na sala 0.01 (piso do bar). Todos convidados.
(O meu maior desejo, 2011, Hirozaku Kore-eda) Caros amigos,
O Cineclube FDUP prepara-se para voltar para mais um semestre com uma excelente e abrangente programação. Ainda sem anunciar surpresas, podemos dizer-vos para marcarem já nas vossas agendas a data da primeira sessão: dia 2 de Outubro (3.ª feira), 18h15.
Dias 20, 21 e 22, a Milímetro exibe, no Cinema Passos Manuel, o multi-premiado (prémio principal no DocLisboa 2011) documentário do realizador português Gonçalo Tocha: "É na Terra Não é na Lua". Sempre às 21h30 (dia 21, excepcionalmente, às 22h).
A Associação Jurídica do Porto, em parceria com a Associação Sindical dos Juízes Portugueses - Direcção Sindical Norte e o Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, realizará o VII ciclo de cinema jurídico "A Justiça no Cinema", no Teatro do Campo Alegre, no Porto.
Apesar da longa carreira (leia-se difícil sobrevivência) no cinema,
A Casa é apenas a primeira longa metragem de Júlio Alves, pontuada por várias
curtas de relativo sucesso.
A Casa, filme a que lhe
assenta bem a frieza linguística do título, bem mais impessoal que a tradução inglesa
“The Home”. E é exactamente essa frieza
da abstracção do que significa uma casa, que antes de ser uma home é um mero edifício, um conjunto
desconjuntado de materiais (sendo que o realizador faz questão de abusar desta
subtileza, que só o é nos primeiros planos).
Antes da concretização do
desenho, do sonho de outrem, outros sonhos moram lá. Sonhos esses alimentados
pela criação de raízes alheias, que é do dinheiro que a matéria destes se torna
concreta. António, Zé Maria e João,
são os trabalhadores que habitam a casa e a acompanham na sua fase embrionária
de vida, a forma-la antes de ela ter personalidade.
Vários destinos são ali cimentados, sendo
daí que o filme extrai a sua força e sentido, da dicotomia existente entre o fim
do processo de construção representar um novo local de habitação para x pessoa,
instituição sem rosto, e ao mesmo tempo significar o fim de um capítulo de vida
para os trabalhadores que acompanhamos.
Filme que cumpre aquilo a que se
propõe - esse clássico eufemismo para filme pouco ambicioso- apesar de sustentado por
ambições. Ambição de uma vida melhor, de uma vida diferente, de trabalhadores
emigrantes, que apenas procuram a matéria prima para construir uma casa que
possam chamar sua.
"De Jueves a Domingo", a primeira longa-metragem da chilena Dominga Sotomayor, estreada em competição e premiada no Festival Internacional de Roterdão, venceu nesta edição do IndieLisboa o Grande Prémio de Longa Metragem “Cidade de Lisboa”.
Esta é uma obra que não se identifica com um só género cinematográfico. Começa por sugerir um road movie, quando uma família inicia uma viagem longa de automóvel, para o norte do Chile, em busca de um terreno que ninguém sabe exactamente onde é. (Um pormenor que nos faz recordar o filme de Wim Wenders, em que Travis vive obcecado com a propriedade que comprara no meio do deserto, em Paris, Texas.)
A certa altura, porém, apercebemo-nos de que não é uma simples viagem de férias. Através do olhar de Lucía, a filha mais velha, observamos a ruptura iminente do casal, ainda que subtil. Os silêncios prolongados e desconfortáveis acabam por ser o mais forte sinal da falta de entendimento entre os pais que - descobrimos mais tarde - já se haviam "separado" ainda antes da partida. É esta saliente componente dramática - ainda que partilhe um pouco da apatia e desprendimento associados ao road movie, que faz com que "De Jueves a Domingo" se trate de um híbrido de géneros.
Ainda assim, o divórcio parental acaba por perder importância face ao aspecto mais forte do filme, que é o seu registo familiar, o do retrato fiel da infância. Percebe-se que entre o banco da frente e o de trás há uma forte barreira, ainda que invisível, que divide dois mundos muito distintos.
A descrição desse mundo à parte, das crianças, é tão fidedigna que nos faz recordar a nossa própria infância de uma forma pouco habitual, transcendendo a mera referência. Os banhos de rio, as primeiras lições de condução, a vista da janela traseira do carro com a marca gravada no canto inferior do vidro, as birras intermináveis e a cedência dos pais (às vezes não), as mais insólitas posições no banco do carro numa viagem longa, a rivalidade entre irmãos (o nível do sumo no copo, que deve ser milimetricamente igual), os sons da consola de jogos, tudo é ternurento e nostálgico, sem cair nos exageros cor-de-rosa, evitando a felicidade perfeita e cristalizada que, mesmo nessa idade, não existe.
É neste contexto que a estrutura familiar clássica - pai, mãe, filho e filha, se desconstrói, à medida que as memórias se desvanecem e Lucía cresce, no tempo de um filme.
Para ilustrar os métodos de administração científica popularizados por Frederick Taylor (o conhecido "Taylorismo"), Thibault Le Texier seleccionou inúmeras imagens de filmes institucionais americanos realizados a partir da década de '70, disponíveis em arquivos para livre utilização, bem como alguns textos de manuais de gestão do início do séc. XX.
Este trabalho de edição não é, porém, um puro documentário, na medida em que recorre a instrumentos ficcionais, através da narração de um conjunto de cartas escritas pelo autor. Ouvimos uma conversa conjugal, entre o marido engenheiro que se deslocou para uma fábrica para aplicar os princípios Tayloristas e a mulher que se entusiasma com estas ideias e acaba por também as adoptar nas lides domésticas.
Apesar de reconhecermos nesta obra um esforço sério de pesquisa e reconstrução histórica, sentimos que teria como fim mais útil a sua inserção num qualquer programa escolar de História, aliando aspectos lúdicos e pedagógicos.
Mupepy Munatim
Pedro Peralta, fic., Portugal, 2012, 18’
"Mupepy Munatim" é o projecto final de Mestrado em Estudos Fílmicos de Pedro Peralta, estudante da Universidade Lusófona, e segue o percurso de um homem que, tendo partido para França, regressa a Portugal para procurar a campa da sua mãe.
Desde o bairro do Zambujal, passando pela Igreja de Odivelas, até ao prado onde mãe e filho se reencontram, sob uma árvore frondosa, os planos são poucos e longos, mas não especialmente belos ou contemplativos. Não que haja muito a dizer, mas acaba por não haver também muito sentimento nesta procura, neste caminho de lembrança e de saudade. Para evocar tais recordações, resta-nos apenas a música, cantada em Kikongo, para nós o único momento encantador desta pequena obra.
Les navets blancs empêchent de dormir
Rachel Lang, fic., França/Bélgica, 2011, 27’
"Os Nabos Brancos Impedem de Dormir" é a segunda parte de uma trilogia de filmes que partilham a mesma actriz principal, Salomé Richard, seguindo-se a "Pour Toi Je Ferai Bataille, o trabalho de final de curso de Rachel Lang que recebeu no Festival de Locarno o Leopardo de Prata, na categoria de curtas-metragens.
Ana e Boris têm um relacionamento à distância, e quando ela se dirige a Bruxelas para o visitar, apercebe-se de que, depois de cinco anos em permanentes rupturas e reconciliações, talvez tenha chegado o momento da separação definitiva.
Depois de uma festa algo descontrolada e de uma noite de insónia devida à ausência de Boris para "comprar tabaco", (apesar de haver quem diga que são os nabos brancos que impedem de dormir, têm demasiada Vitamina C), Ana decide-se. Ele responde-lhe que sabe que ela regressará, que nunca ninguém o amou tanto como ela, "sem contar com a mãe".
Nesta teia intrincada de emoções e reviravoltas sentimentais, de silêncios e desilusões, Rachel Lang descreve com solidez e realismo as dificuldades dos relacionamentos naquilo que ela diz ser uma tragicomédia, em que o tema principal é intercalado com pequenos apontamentos cómicos, como o da amiga que tem o aquecimento avariado e usa o forno para aquecer a casa, aproveitando entretanto para fazer dezenas de bolos ou do soldado atiradiço que é rejeitado com uma só tirada sarcástica da nossa protagonista.
Sielunsieppaaja/Soul Catcher
PV Lehtinen, doc./exp., Finlândia, 2011, 14’
Esta curta-metragem finlandesa insere-se na categoria do documentário experimental, e relaciona genericamente três temas.
Observamos, em primeiro lugar, uma colónia de formigas na sua labuta frenética. Depois aparece um grupo de veraneantes numa praia próxima de Helsínquia, filmados ora em plano fixo, modo retrato, ora em movimento rápido, numa perspectiva semelhante à das formigas. Por último, vemos uma família Masai, por vezes enquadrada no interior de uma câmara fotográfica de grande formato, numa subtil referência à crença de que a fotografia rouba a alma do sujeito fotografado.
Filmado sem diálogos, este filme baseia-se no poder da captura da imagem fotográfica para cristalizar uma essência humana ou natural.
Existem filmes difíceis de criticar. Por não se conseguir
discernir uma linha de história obvia e linear, tão útil para a compreensão do
normal espectador como do critico atento a qualquer incongruência que o permita
disparar mecanicamente os já estudados adjectivos padrão, ou pior, filmes com
ausência absoluta de narrativa estruturada, de desenvolvimento de personagens,
de lugares comuns onde déjà-vus fílmicos possam acontecer, para descanso do
critico que não pode simplesmente rotular o filme de “experiência sensorial”.
Last of England é
seguramente uma dessas experiências sensoriais, uma febril colagem de visões
anunciadoras de uma Inglaterra pós-apocalíptica, tão avant-garde na forma que
apresenta, como na clarividência profética do declínio.
Um punk a caminhar nas ruínas de uma civilização, um bebé
sozinho rodeado de jornais como representantes institucionais de um
conhecimento geral do fim, uma viúva a rasgar o vestido de noiva numa dança
furiosa com as memórias, enquanto tudo à volta arde. São estas as declarações filtradas
pelo psicadelismo contestatário e supostamente subtil da mente de Jarman,
constituindo uma certidão de óbito do futuro da nação britânica, sem palavras e
construído como poema visual, ainda que visceral e negro, como o poema Howl de
Allen Ginsberg (um dos representantes da Beat Generation), fazendo sentido que
conceptualmente entrecruze o imaginário selvagem na forma de fotogramas de
Jarman.
Apesar das valências óbvias deste filme em categorias de
originalidade e técnica, sendo que a materialização do imaginário é muitas
vezes impressionante visualmente, e o sucesso de Jarman em conseguir retratar
uma paisagem coesa de destruição e abstracto fim, sentimos que a mensagem e o
móbil de toda estas imagens mentais são sempre a mesma, ideologicamente
clichés. Mas o filme é imensamente pessoal, dizendo respeito aos medos e
considerações do realizador, que faz filmes enquanto tudo à volta dele arde, no
auto-de-fé dos seus valores morais.
Como apenas podemos especular sobre a nossa
capacidade de interpretação de tal obra e pessoa, podemos só humildemente
considerar que existem filmes difíceis de criticar.
A premissa deste filme japonês de realizador iraniano (Amir Nadeni) não podia ser mais interessante: a de um homem cujo amor ao cinema o leva a pôr em risco a própria vida
Shuji é um jovem (aspirante a) realizador em dificuldades económicas, cuja principal ocupação é a projecção de filmes no terraço do seu prédio, para uma mão-cheia de fiéis espectadores. Cartazes de filmes e realizadores e programas de sessões forram o apartamento de alto a baixo, cobrindo paredes, tecto, portas, até janelas, como se toda a luz e ar que entrassem fossem filtrados pelo cinema.
Nos tempos livres, empunha um megafone pelas ruas de Tóquio, gritando para as multidões apáticas e apressadas aquilo que todos sabem mas se cansaram de dizer: o cinema de autor, enquanto criação e arte, perdeu o lugar para o cinema de mero entretenimento, que nasce e morre no espaço hermético dos multiplexes, também porque não está, à partida, destinado à posteridade. A propósito disso, e contra certas ideias feitas de que o cinema autoral é elitista, abstracto e intransponível, Shuji relembra também que o bom, o grande cinema clássico, é intemporal, e se cultiva, se educa, se sensibiliza, também diverte, também entretém; não há necessariamente uma cisão entre os dois mundos.
Esta paixão – fanatismo? - absorvente não lhe permite dedicar-se a qualquer tipo de trabalho, e assim, quando um dia é confrontado com o assassinato do irmão e a herança da sua dívida astronómica para com uma organização mafiosa, Shuji não tem outra hipótese senão vender o corpo de uma forma inusitada, leiloando a face e a integridade, tornando-se um saco de boxe humano, trocando socos por dinheiro.
Para resistir à tortura voluntária e vingar a memória do irmão, Shuji exige que a arena seja o quarto-de-banho imundo onde ele foi morto. Enquanto é espancado, relembra com fervor religioso todos os filmes que exibiu, todas as grandes obras que o marcaram mais profundamente que os golpes que agora lhe infligem. Quando regressa a casa, ao final do dia, adormece no embalo do som da película a ser projectada.
O vermelho-sangue, tom dominante do filme, é pontuado por cenas a preto e branco, em que Shuji se dirige às campas dos grandes realizadores japoneses – Kurosawa, Ozu, Mizoguchi, para lhes prestar homenagem e rezar por inspiração para que consiga criar algo à sua altura, em sua honra e do Cinema.
Apesar disto, “Cut” eventualmente cai na monotonia da violência e na repetição do discurso purista, o que acaba por retirar alguma força à mensagem valiosa que subjaz ao filme – uma metáfora fortíssima dos obstáculos que um criador cinematográfico enfrenta na construção do seu percurso, na criação e divulgação da suas obras, que se torna ainda mais relevante pelo seu pendor autobiográfico, uma vez que o realizador, Amir Naderi, se exilou nos Estados Unidos nos anos '80 e também ele abdicou da sua vida para se dedicar exclusivamente ao cinema.
Terri , inadaptado
social na proporção da sua gordura corporal e miríade de pijamas que constituem
o seu uniforme personalizado na escola (embora estes sejam de uma elevada
maleabilidade social, sendo que inclusive dispõe de um elegante pijama negro
para funerais, embora todos eles fazendo um belo pandam com a sua reconhecida estranheza naquele meio).
Seguindo as clássicas
etapas de retrato de um coming of age
de uma adolescência atormentada pela percepção de ser um monstro, comparando
com a dita normalidade ( que neste tipo de filmes é sempre retratado através de
putos imbecis que dificilmente o alibi hormonal desculpabiliza, exactamente para
reforçar o sentimento de incompreensão da personagem), Terri demonstra os típicos
sinais de exclusão no seu comportamento escolar, chegando atrasado à escola,
notas a descer, e o já referido hábito de usar pijamas todos os dias (dificilmente
será este um sinal típico, antes Terri como trendsetter).
Estes sinais
são interpretados por Mr. Fitzgerald, que se revê nessa condição, pelo facto de
ter tido um passado semelhante; o que aliás atesta a tese que uma das ilações
morais do filme seria a de que as pessoas apenas agem numa base de compaixão (como
no caso de Heather, mas já lá iremos).
Mr.
Fitzgerald é uma espécie de professor Xavier com o seu séquito de Mutantes, de
quem não conhecemos as qualidades, apenas as maleitas que os tornam
representantes de uma singularidade não socialmente aprovada.
Para além da
ajuda deste raro paladino do sistema escolar, outra das parcas relações que o
protagonista mantem é com o seu tio, com quem vive. Porém, neste caso a posição
de dependência é inversa à encontrada na esfera escolar, porque Terri é a autoridade,
devido ao Alzheimer que o tio sofre.
Através de
Terri e das suas relações, forma-se um encapsular do afastamento provocado por
um existencialismo social, nas três grandes idades do homem: Terri
representando a adolescência; Mr. Fitzgerald na idade adulta, apesar do estigma
supostamente ultrapassado deste encontrar validade de testemunho para os seus
semelhantes de diferente geração. O Tio é também um outcast, porque a sua condição médica incapacita-o de possuir a
habilidade humana de reter todo o conhecimento das formalidades sociais, sendo
ele a personagem tipo da 3º idade, incapaz de definir o seu próprio destino.
O filme
apresenta-nos também uma passageira ocasional neste mundo, a referida Heather, condenada
à queda sempre vertiginosa na mobilidade social, pela sua má conduta a roçar o
sexual numa aula.
A aparente
falta de novidade da história podia ser ultrapassada com um bom
argumento/decente/outro qualquer, sendo que este é tão previsível e cliché como
as situações que pretende retratar. Obviamente que falamos de um filme que não
é um decalque conceptual do clássico filme de adolescentes, devido a à solidez técnica
que o sustenta, naquele espirito indie que o coloca na escola genérica de
grande parte das submissões para o festival de Sundance.
Terças-feiras, pelas 18h15, na sala 0.01 da FDUP. A entrada é gratuita.
FAÇAM-SE SÓCIOS DO CINECLUBE
Com uma singela contribuição anual (2 euros), ajudem o Cineclube na aquisição de filmes (para exibição nas sessões e requisição na DVDteca) e na realização de eventos!
Para o efeito, enviem email para cineclubefdup@gmail.com dando conta da intenção em tornarem-se sócios e nós enviaremos a ficha de inscrição.
DVDTECA CINECLUBE FDUP - CATÁLOGO
Consulta aqui o catálogo dos filmes disponíveis para requisição gratuita na Biblioteca da FDUP (clicar na imagem)
"Coimbra, 6/III/1933 Estoirei-me hoje de um carro eléctrico abaixo por causa de um filme do Charlot. Ia morrendo, ou pelo menos ficando sem um braço. Mas o filme mereceu o fato inutilizado e merecia também o braço a menos."