Crítica por: André Guerreiro
Embora seja apresentado como um documentário, só o é na sua definição mais restrita – em primeiro lugar, por não existir uma frieza analítica subjacente ao normal distanciamento proporcionado pela imparcialidade jornalística, pelo facto de a entrevista ser conduzida pelo seu amigo de longa data (apesar de ser filmada várias vezes a lareira introduzindo uma ideia de quão familiar está a ser a conversa, sempre uma lovely referência). Não significa necessariamente que estejamos perante um bias, porém. Enquanto vamos avançando no filme e,consequentemente, no detalhar dos infortúnios vividos por Polanski, percebemos que este filme constitui quase um direito de resposta de um individuo perante uma ordem natural e social que em nada foram fáceis para ele.
Torna-se também díficil rotular este filme de documentário
quando é, essencialmente, uma longa entrevista pontuada com elementos visuais
algo óbvios e literais (e melosos efeitos, diga-se, prestando uma memoir também
ao powerpoint).
Ora, uma das valências anunciadas do filme seria o
entrecruzar o depoimento de Polanski
retratando a sua própria existência e a correlação existente com os filmes que
fez, explorando o normal e esperado acto de transpor, mesmo que inconscientemente,
algo do ADN vivencial para a obra do artista. Esta premissa automaticamente
afastar-lo-ia dos genéricos trabalhos documentais que se limitam a detalhar
informações facilmente alcançáveis na memorabilia de dados que é a Internet. Na
verdade, tal premissa está muito mal concretizada, sendo que só atinge a sua
plenitude quando determinados momentos da vida de Polanski encontram suporte
físico nos seus filmes, como no caso do seu pessoalíssimo O Pianista. Não deixa
de ser interessante/agonizante perceber quão reais são os eventos do referido
filme, porém, e é gerador de lágrimas percebermos o limite entre a ficção e a
simples autobiografia.
Já nos restantes filmes que compõem a obra deste autor, só
nos é dada uma ligeira contextualização do status quo de Roman Polanski na
altura do lançamento de cada um.
Outra falha que se poderá apontar a este filme passa pelo
estilo deficiente de entrevista de x, manipulando Polanski para uma realidade
bem menos agressiva dos factos, fazendo parecer que todas as dificuldades de
vida do realizador sejam uma desculpabilização do erro de Polanski, a suposta
violação de uma menor .
Para além disto, X tem também um desejo desproporcionado de
aparecer, quer seja pela quantidade de vezes que força a sua cara e expressão
nos planos, ou pela necessidade incessante de acabar as frases de Polanski.
Embora estas falhas retirem alguma validade ao filme
propriamente dito, à film memoir, a verdade é que dispõe de uma vantagem óbvia,
que é dar-nos a possibilidade de assistirmos ao discurso directo de alguém tão
interessante quanto Roman Polanski.
Este teve uma vida que, se fosse ficcional, seria com
certeza acusada de ser um melodrama exagerado, cheio de negros twists. Desde a
tocante descrição da vida no bairro judeu (sendo que bairro soa a eufemismo
suburbano para tão real segregação), com toda a luta pela sobrevivência e perda
que iriam influenciar mais tarde as suas opções de vida e, paralelamente,
influenciar a escolha de direcção artística(mormente o facto de parecer uma
redundância, há mais num homem que a sua história pessoal, como prova o seu
ecletismo no que a géneros fílmicos diz respeito), até ao assassinato da sua
esposa grávida por parte do gang de Charles Manson (exactamente o mesmo destino
que a mãe dele sofreu pelas mãos das SS, único elemento coerente na
aleatoriedade trágica da sua vida).
Temos, portanto, um detalhar de todos os infortúnios vividos
por Polanski, que acabam por se confundirem com a própria vida deste, pelo
facto desta se ter desenrolado sempre através da reacção a tragédias.
Tristemente, quando houve algum exercício de livre arbítrio, foi
consubstanciado na violação de uma menor, como já dissemos. Este acaba por ser
um momento central do filme, porque Polanski evita o assunto no que diz
respeito a motivações, preferindo focar-se na perseguição mediática a qual foi
sujeito, surgindo também na persona de vítima. E talvez seja, em parte. Mas
verdadeiramente importantes não são estas situações que irão ver a sua importância diluída no tempo. O que
acaba por ser importante é que temos aqui a dimensão humana de um realizador
responsável por grandes obras, e um homem eloquente, cândido e sentimental. Se
errou, ou se o universo errou com ele, serão só valorações que se dissiparão
com o peso da importância do que criou.
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