Existem filmes difíceis de criticar. Por não se conseguir
discernir uma linha de história obvia e linear, tão útil para a compreensão do
normal espectador como do critico atento a qualquer incongruência que o permita
disparar mecanicamente os já estudados adjectivos padrão, ou pior, filmes com
ausência absoluta de narrativa estruturada, de desenvolvimento de personagens,
de lugares comuns onde déjà-vus fílmicos possam acontecer, para descanso do
critico que não pode simplesmente rotular o filme de “experiência sensorial”.
Last of England é
seguramente uma dessas experiências sensoriais, uma febril colagem de visões
anunciadoras de uma Inglaterra pós-apocalíptica, tão avant-garde na forma que
apresenta, como na clarividência profética do declínio.
Um punk a caminhar nas ruínas de uma civilização, um bebé
sozinho rodeado de jornais como representantes institucionais de um
conhecimento geral do fim, uma viúva a rasgar o vestido de noiva numa dança
furiosa com as memórias, enquanto tudo à volta arde. São estas as declarações filtradas
pelo psicadelismo contestatário e supostamente subtil da mente de Jarman,
constituindo uma certidão de óbito do futuro da nação britânica, sem palavras e
construído como poema visual, ainda que visceral e negro, como o poema Howl de
Allen Ginsberg (um dos representantes da Beat Generation), fazendo sentido que
conceptualmente entrecruze o imaginário selvagem na forma de fotogramas de
Jarman.
Apesar das valências óbvias deste filme em categorias de
originalidade e técnica, sendo que a materialização do imaginário é muitas
vezes impressionante visualmente, e o sucesso de Jarman em conseguir retratar
uma paisagem coesa de destruição e abstracto fim, sentimos que a mensagem e o
móbil de toda estas imagens mentais são sempre a mesma, ideologicamente
clichés. Mas o filme é imensamente pessoal, dizendo respeito aos medos e
considerações do realizador, que faz filmes enquanto tudo à volta dele arde, no
auto-de-fé dos seus valores morais.
Como apenas podemos especular sobre a nossa
capacidade de interpretação de tal obra e pessoa, podemos só humildemente
considerar que existem filmes difíceis de criticar.
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