quarta-feira, maio 02, 2012

IndieLisboa 2012: The Last of England, de Derek Jarman (1987)


  Existem filmes difíceis de criticar. Por não se conseguir discernir uma linha de história obvia e linear, tão útil para a compreensão do normal espectador como do critico atento a qualquer incongruência que o permita disparar mecanicamente os já estudados adjectivos padrão, ou pior, filmes com ausência absoluta de narrativa estruturada, de desenvolvimento de personagens, de lugares comuns onde déjà-vus fílmicos possam acontecer, para descanso do critico que não pode simplesmente rotular o filme de “experiência sensorial”.

Last of England é seguramente uma dessas experiências sensoriais, uma febril colagem de visões anunciadoras de uma Inglaterra pós-apocalíptica, tão avant-garde na forma que apresenta, como na clarividência profética do declínio.

Um punk a caminhar nas ruínas de uma civilização, um bebé sozinho rodeado de jornais como representantes institucionais de um conhecimento geral do fim, uma viúva a rasgar o vestido de noiva numa dança furiosa com as memórias, enquanto tudo à volta arde. São estas as declarações filtradas pelo psicadelismo contestatário e supostamente subtil da mente de Jarman, constituindo uma certidão de óbito do futuro da nação britânica, sem palavras e construído como poema visual, ainda que visceral e negro, como o poema Howl de Allen Ginsberg (um dos representantes da Beat Generation), fazendo sentido que conceptualmente entrecruze o imaginário selvagem na forma de fotogramas de Jarman.

Apesar das valências óbvias deste filme em categorias de originalidade e técnica, sendo que a materialização do imaginário é muitas vezes impressionante visualmente, e o sucesso de Jarman em conseguir retratar uma paisagem coesa de destruição e abstracto fim, sentimos que a mensagem e o móbil de toda estas imagens mentais são sempre a mesma, ideologicamente clichés. Mas o filme é imensamente pessoal, dizendo respeito aos medos e considerações do realizador, que faz filmes enquanto tudo à volta dele arde, no auto-de-fé dos seus valores morais. 

Como apenas podemos especular sobre a nossa capacidade de interpretação de tal obra e pessoa, podemos só humildemente considerar que existem filmes difíceis de criticar.

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