"De Jueves a Domingo", a primeira longa-metragem da chilena Dominga Sotomayor, estreada em competição e premiada no Festival Internacional de Roterdão, venceu nesta edição do IndieLisboa o Grande Prémio de Longa Metragem “Cidade de Lisboa”.
Esta é uma obra que não se identifica com um só género cinematográfico. Começa por sugerir um road movie, quando uma família inicia uma viagem longa de automóvel, para o norte do Chile, em busca de um terreno que ninguém sabe exactamente onde é. (Um pormenor que nos faz recordar o filme de Wim Wenders, em que Travis vive obcecado com a propriedade que comprara no meio do deserto, em Paris, Texas.)
A certa altura, porém, apercebemo-nos de que não é uma simples viagem de férias. Através do olhar de Lucía, a filha mais velha, observamos a ruptura iminente do casal, ainda que subtil. Os silêncios prolongados e desconfortáveis acabam por ser o mais forte sinal da falta de entendimento entre os pais que - descobrimos mais tarde - já se haviam "separado" ainda antes da partida. É esta saliente componente dramática - ainda que partilhe um pouco da apatia e desprendimento associados ao road movie, que faz com que "De Jueves a Domingo" se trate de um híbrido de géneros.
Ainda assim, o divórcio parental acaba por perder importância face ao aspecto mais forte do filme, que é o seu registo familiar, o do retrato fiel da infância. Percebe-se que entre o banco da frente e o de trás há uma forte barreira, ainda que invisível, que divide dois mundos muito distintos.
A descrição desse mundo à parte, das crianças, é tão fidedigna que nos faz recordar a nossa própria infância de uma forma pouco habitual, transcendendo a mera referência. Os banhos de rio, as primeiras lições de condução, a vista da janela traseira do carro com a marca gravada no canto inferior do vidro, as birras intermináveis e a cedência dos pais (às vezes não), as mais insólitas posições no banco do carro numa viagem longa, a rivalidade entre irmãos (o nível do sumo no copo, que deve ser milimetricamente igual), os sons da consola de jogos, tudo é ternurento e nostálgico, sem cair nos exageros cor-de-rosa, evitando a felicidade perfeita e cristalizada que, mesmo nessa idade, não existe.
É neste contexto que a estrutura familiar clássica - pai, mãe, filho e filha, se desconstrói, à medida que as memórias se desvanecem e Lucía cresce, no tempo de um filme.
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