quarta-feira, janeiro 07, 2009

Rushmore - Sessão de 2/12/2008

Com as minhas desculpas pela publicação atrasada e "fora-de-horas", aqui vai a minha crítica ao "Rushmore" que foi distribuída na sessão, mas que por lapso me esqueci de pôr no Blog.
À laia de "New Year's Resolution" tentaremos passar a publicar as críticas logo a seguir à sessão, para que as pessoas que não possam ter estado presentes vão a correr à DVDteca buscar o filme!


“Rushmore” / “Todos Gostam da Mesma” (1998)

De Wes Anderson; Argumento de Wes Anderson e Owen Wilson;
Com Jason Schwartzman, Bill Murray, Olivia Williams e Seymour Cassel

“Rushmore” conta-nos a história de Max Fischer (Jason Schwartzman), um rapaz de 15 anos que estuda num prestigiado colégio, a Rushmore Academy, e que se recusa a permitir que a realidade limite as suas ambições. Logo no início, deparamo-nos com uma das mais geniais sequências do filme: a contagem dos inúmeros cargos de Max nas suas actividades extra-curriculares, algumas delas verdadeiramente insólitas – recorde-se a Rússia no Model United Nations, a Debate Team, os Rushmore Beekeepers, Caligraphy Club ou a Bombardment Society! Não obstante o seu brilhantismo em todas estas responsabilidades, especialmente na escrita e encenação de peças de teatro, Max é, nas palavras do Director da escola “one of the worst students we’ve got”, e juntando isso à sua irreverência, a ameaça de expulsão da escola paira sempre sobre a sua cabeça.
Tudo se complica quando o jovem conhece a mais recente professora primária do colégio, Miss Cross (Olivia Williams), e, perdidamente apaixonado, conjura com Herman Blume (Bill Murray), um milionário pai de dois colegas seus de quem se torna íntimo, o plano de erguer um aquário em sua homenagem. Max é então expulso da escola e começa uma nova etapa de conquista no liceu local. O mais surpreendente é que estaríamos à espera que ele não se integrasse, dada a sua peculiaridade, num ambiente que é o oposto do elitismo a que estava habituado, mas isso não acontece. De facto, Max continua a encenar as suas peças, e ganha novas admiradoras, como a encantadora Margaret (Sara Tanaka), mas nem por isso desiste de lutar por Miss Cross. Contudo, a trama ganha novos contornos quando Herman se envolve com Rosemary Cross, e os dois entram numa batalha de ataque e contra-ataque, que é absolutamente surreal atendendo à diferença de idades entre Max e Blume, e ao gozo que lhes dá aperfeiçoar as suas partidas – a sorriso de Herman quando se apercebe que a trama das abelhas é obra de Max é paradigmático.
“Rushmore” tem fortes elementos autobiográficos: foi filmado na escola que Anderson frequentou, em cujo auditório também ele encenava as suas peças, na maioria épicos de acção, e tal como Max, também Owen Wilson (co-argumentista) foi expulso do liceu. O filme também toca, embora de modo subtil, a questão do fosso entre classes sociais – percebemos isso quando vemos que Max frequenta Rushmore com uma bolsa de estudo e apresenta o pai como neurocirugião. E Max é, talvez, bem representativo de todos os artistas que usam o seu trabalho para ordenar e controlar o mundo à sua volta. As suas peças são o modo que ele encontra para isso, para aproximar e reintegrar as divisões do seu mundo, as amizades perdidas e inimizades acidentais, numa comunidade equilibrada e una.
Jason Schwartzman oferece-nos uma interpretação memorável, acrescentando um brilhantismo à personagem que o argumento não imaginava conferir, e não é por isso de espantar de Anderson tenha voltado a trabalhar com ele em “Darjeeling Limited”. Os pormenores são deliciosos: o sonho inicial do filme a resolver a equação impossível no quadro com a chávena de chá na mão, a sua boina vermelha e a dança de lugares na conversa com Miss Cross, a incoerência da petição sobre o ensino do latim, a sequência em câmara lenta para receber os aplausos pela peça com sangue no nariz, a cena de ciúmes ao jantar - no fundo, todo o seu comportamento e discurso é de o de uma pessoa de 30 anos, quando não passa de um miúdo de 15. Por isso, a nossa relação com Max vai desde achar que ele precisa de apoio psiquiátrico a começar a entendê-lo, e acabar por sentir um enorme carinho por ele, especialmente quando ele desiste de Rosemary depois da fabulosa cena da simulação do atropelamento e tenta reconquistar a amizade de Herman, ou quando ele desiste da escola e vai trabalhar com o pai, e tem finalmente orgulho em apresentá-lo a toda a gente como barbeiro e seu pai. Genuinamente comovente é a cena em que ele dedica a peça à memória da mãe, e a dança do final.
Quanto a Bill Murray, a sua personagem é a de um triste homem de sucesso, com filhos insuportáveis e de uma solidão patente. Entre as suas cenas mais memoráveis conta-se a da “bomba” para a piscina de cigarro no canto da boca, a cena da cenoura na conversa à porta com Rosemary, a sequência do elevador, entre outras. O seu Herman é verdadeiramente patético, e nisso Bill Murray é mestre, tal como já nos vem habituando, mas ainda assim supera as suas deprimentes e melancólicas personagens em “Lost in Translation” e “Broken Flowers”.
A filmagem, edição e fotografia é irrepreensível, e Anderson tem a grande qualidade de conseguir dar-nos o máximo de informação num mínimo de tempo de ecrã – captamos a essência das personagens com um gesto, um sotaque, adereços e tiques. Na cena final, em jeito de homenagem à reconciliação e à felicidade, a câmara de Anderson filma com movimentos e velocidade varíavel, aí sim, para “esticar” o momento, pintando-o com cores oníricas. No fim daquela dança, é uma sensação de leveza, de empatia e envolvimento que permanece, e no fecho desce o pano sobre esta imensa peça de teatro que é este filme, feito de detalhes, e que nos faz querer ir até Rushmore conhecer tão insuitados actores deste universo paralelo.
Também a banda sonora é de uma beleza enorme, juntando temas interpretados por Cat Stevens, John Lennon, The Kinks, Yves Montand, The Who, Rolling Stones, Donovan Leitch. Pessoalmente, tenho como único aspecto a criticar algo já habitual: a tradução do título do filme, que não se compreende de onde veio, já que são dois a “gostar” da mesma, e não “todos”! Rushmore é o nome da escola e parece-me uma analogia com o Monte Rushmore, uma espécie de Eldorado, o topo dos topos, que é o que Max pretende atingir, e por ser um nome universal não carecia de qualquer tradução.
Esta obra é plena de todos os aspectos que vêm falhando no cinema comercial mais recente: humor a sério, uma escrita lapidar, música que torna uma cena inesquecível, e sentimento. “Rushmore” é um dos melhores exemplos do brilhantismo do mundo de Anderson, cujo génio atingiu a excelência cinematográfica, considero, com o filme “Darjeeling Limited”.

“When one man, for whatever reason, has the opportunity to lead an extraordinary life, he has no right to keep it to himself” - Cousteau

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