sábado, maio 14, 2011

sobre a precariedade dos filmes

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"Por contraste aos filmes feitos com todos os recursos técnicos e de produção sofisticada que, por demasiado “bem feitos”, ainda que apenas em estrito sentido técnico, acabam por bloquear ou ocultar a aparição dos gestos cinematográficos singulares que prometiam, limitando, por conseguinte, a própria experiência estética que é neles possível, existem outros filmes, feitos em condições de filmagem precárias e material de base reduzido que, não ocultando essas circunstâncias, constituem uma certa menoridade que é também, de início, uma promessa, pois nela se projeta a esperança de uma justeza para com as personagens e as situações perante as quais se coloca, muitas vezes também elas marginais e precárias. São, no entanto, alguns os perigos, intrínsecos a essa condição, que se colocam à consistência destes filmes.

Em primeiro lugar, nem sempre é possível escamotear de forma criativa, através da montagem, a fragilidade inerente a ter pouco material de base. Aparenta ser bastante difícil construir uma densidade temporal e existencial quando os planos filmados são reduzidos e não contemplam as personagens atravessando o quotidiano. E quando, em paralelo, existe uma excessiva dependência da força existencial que algumas personagens emanam, seja pela sua peculiaridade, seja pelo caricato do seu discurso, corre-se muitas vezes o risco de as tornar em caricaturas. Essas evidências que emanam as personagens, que parecem inicialmente um ganho, acabam por severamente limitar a complexidade dos filmes. A suposta riqueza dos personagens constitui então, paradoxalmente, um perigo para a composição do filme enquanto obra, cuja força intrínseca se dá menos por isso do que pela conjugação, com o seu quê de misterioso, de muitos outros elementos.
(...)
Mas aquilo que, em última análise, parece definir o gesto que tenta compensar a precariedade em alguns filmes, neste sentido que lhe demos, e o seu maior risco, encontra-se na introdução de uma dimensão meta-fílmica, que é em geral bem mais difícil de integrar do que pensamos. Nela, o filme parece desejar questionar-se a si próprio e, simultaneamente, justificar o seu fim e mesmo os seus limites. No entanto, esse espelhamento súbito, pese embora possa potencialmente dar conta dos limites do filme e da sua construção, acrescentando-lhe uma complexidade rude, quase sempre nos subtrai da realidade até então composta, que era já de si de uma natureza frágil, afastando-nos do segredo da subtileza".

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