quarta-feira, maio 11, 2011

Buffalo '66



Buffalo '66
Vincent Gallo, 1998


Buffalo '66 é, verdadeiramente, um filme de autor. Vincent Gallo, nascido em Buffalo, Nova Iorque (em 1961 e não 1966, porém) é realizador, actor, escritor, músico e, podemos dizer, o verdadeiro protagonista desta sua primeira longa-metragem, não só pelo facto de se tratar da obra de um só génio, mas também devido ao seu pendor alegadamente autobiográfico, ainda que Gallo o negue.


Billy Brown (Vincent Gallo) é um homem sem amor. A música inicial (“all my life I've been a lonely boy”) assim o sugere. O filme inicia-se com a sua saída da cadeia, após 5 anos detido, e o desejo de regressar a casa, para mostrar aos pais - que nada sabem acerca da sua reclusão, como tem sido bem sucedido ao longo desse tempo.


Para completar o plano, Billy rapta Layla (a encantadora Christina Ricci) com o objectivo de a apresentar como noiva, e desdobra-se em intruções (por vezes ordens, e até ameaças) de uma precisão estonteante, como se tudo estivesse há muito tempo absolutamente delineado na sua mente (“Make me look good, alright? You loved me. You've been in love with me your whole life. Your new name would be Wendy Balsam”).


Inesperadamente, Layla não tenta escapar, mesmo tendo oportunidade para o fazer. Deixa-se envolver, e desempenha fielmente o seu papel de namorada apaixonada, numa manifestação por demais óbvia de síndrome de Estocolmo.


No entanto, é precisamente esse carácter, que demonsta um equilíbrio instável entre agressividade, timidez, desespero, insegurança e candura, essa carência de afectos e fragilidade mal dissimulada que suscita a nossa simpatia e, supomos, também a de Layla.


Chegados a casa, verificamos que os pais de Billy (Ben Gazzara e Anjelica Houston) não poderiam estar mais afastados da realidade e do filho, que ignoram, e chegam a desprezar. A tensão que se cria nessa noite, à mesa de jantar, é sublime, e a estranheza da cena é sobretudo acentuada pela actuação do pai, que canta “Fools Rush In”, uma música popularizada por Frank Sinatra. Curiosamente, a gravação que ouvimos é do pai de Vincent Gallo, igualmente chamado Vincent Gallo.


Já num momento final, as posições de ambos, deitados sobre a cama, são o mais claro sinal de evolução: lentamente, Billy cede, e acaba por render-se a Layla, cujo amor o transfigura. É um novo homem, apercebemo-nos disso pelo porte, pelo olhar, outrora vazio e agora confiante e desperto.


Quando tudo parece terminado e nos congratulamos interiormente pelo desfecho da história, é de salientar aquele último plano, de meros segundos, que, com o abraço estático de ambos e o olhar distante de Layla, nos renega o prazer imediato de um final feliz e nos obriga a reflectir de forma mais profunda naquela ligação fugaz e improvável.


Crítica: Inês Viana

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