sábado, junho 25, 2011

sem ponto de chegada



Viagem a Portugal é uma viagem que podia ser, em boa verdade, a qualquer país desenvolvido onde ainda subsistam tiques xenófobos e discriminatórios (das autoridades, note-se, porque da população subsistirão sempre). E ao dizer isto, já estou a avançar que o novo filme de Sérgio Tréfaut se acaba por anular a si mesmo, sem nervo nem rasgo.
Na realidade, a história - verídica - que sustenta Viagem a Portugal é uma história como outra qualquer, daquelas que tristemente continuam a assolar os países que se dizem "abertos" e "multiculturais": a desconfiança face ao outro, ao que nos é estranho, ou, sem eufemismos, uma história sobre o racismo e o preconceito em estado bruto. Daí o primeiro parágrafo e a pergunta que se coloca: porquê viagem a... Portugal? O que há no filme de Tréfaut que identifique concretamente o nosso país e suas idiossincracias? Somos assim tão diferentes, no que toca ao preconceito, dos alemães, dos espanhóis ou dos americanos?



Mas esta questão poderia ser omitida se Viagem a Portugal não falhasse em toda a linha no resto. Vamos às coisas boas, primeiro. O argumento (um ponto de partida cativante) alia-se a um tratamento de imagem de um preto e branco "científico", super higiénico, como que em comunhão com o espaço "incolor" de normatividade e burocracia da Autoridade (no caso, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de um aeroporto). Daí todo um ambiente muito "clean", mas simultanemente claustrofóbico e ameaçador (diria que há mesmo algo de orwelliano naqueles corredores e escritórios...).
Estas eram duas valias (uma narrativa, outra estética) que podiam fazer de Viagem a Portugal um exercício interessante. O problema está, depois, na franca monotonia em que o filme se arrasta: não só nos diálogos que nada acrescentam ao que já foi dito, mas também na brincadeira do campo/contracampo repetida sob a perspectiva de cada uma das personagens, mas que, de tão mecânica (são raríssimos os movimentos de câmara), se torna previsível e aborrecida ao fim de alguns minutos. Mas o pior de tudo está mesmo nos actores e nos diálogos, a que só escapa Maria de Medeiros. Isabel Ruth começa o filme muito bem, é certo, mas depois vai por ali fora sempre a descer. Isto para não falar de outras personagens, como a de José Wallenstein, perfeitamente inconsequentes. E depois há ainda uma série de diálogos confrangedores (são vários, a sério) e péssimos actores (não havia mesmo mais ninguém para vestir o papel de polícia?!), como só me lembro de ver em Mistérios de Lisboa (mas toda a gente disse maravilhas do filme, por isso mais vale estar calado).



Tudo somado, fica a sensação de uma oportunidade falhada em explorar um tema que é, por si só, estimulante (sobretudo quando estamos a falar um documentarista como é Tréfaut) e tão em voga nos dias de hoje (se calhar em demasia, e por isso o filme talvez não tenha o impacto que seria suposto ter...). Por isso, apetece dizer que a viagem de Tréfaut parece acabar por não chega a lado algum - não apenas no sentido literal (nunca saímos do mesmo espaço físico, o SEF) propriamente dito, mas também na medida em que o filme nada acrescenta ao seu tema de base (o preconceito), o qual é reconhecível imediatamente logo nos primeiros minutos do filme. Não saímos de onde partimos, e não ficamos mais ricos.

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