sábado, junho 25, 2011
"Carlos"
Há um ponto de partida incontornável para qualquer crítica que se faça a propósito de Carlos, de Olivier Assayas: é o de que estamos perante um sub-produto da obra original, pensada para televisão e com a duração de 5 horas e meia. E ao contrário do que já li, penso ser essa uma circunstância que não deixa de ser perceptível na versão que nos chega ao cinema, mais concretamente na montagem de um filme em que demasiados momentos narrativos são intercalados pelo "apagão" total (raccords nem vê-los), técnica que muito dificilmente me parece ter aqui qualquer cunho estético, antes instrumento necessário para condensar o tempo da fita, o que a certa altura acaba por ser cansativo (porque monótono) para o espectador.
Isto não faz de Carlos um mau filme, muito pelo contrário, sem que no entanto as 2h45de filme não deixem de saber a pouco. Carlos é filme de acção, empolgante e nesse particular cumpre com mestria. Mas depois falta-lhe algo mais: falta densidade às personagens (algumas delas mesmo muito pouco trabalhadas) e falta também um maior aprofundamento político do contexto histórico em que o filme se move - a dada altura, Carlos tem tanto de político (e menos de sexual, com pena minha) como um Bond.
Mas para tudo isto pode existir uma decisiva razão que mude o caso de figura: as tais 5 horas que a versão original (feita em formato de série para televisão) possui e que merecem ser vistas (a cena do assalto à OPEP, uma hora inteirinha, deve estar fabulosa).
Curiosamente, ao contrário da crítica que Carlos, o original, teceu ao filme - de que este o descaracterizaria, por o retratar tão-só como um mercenário e sex-symbol, despido de convicções políticas e ideológicas -, creio que Assayas é sóbrio e justo com a personagem de Carlos. Não o pinta, em momento algum, como um "mercenário", mas sim como um jovem que, como tantos, ontem mais do que hoje, foi refém de símbolos e imaginários voluntaristas e utópicos. Nesse capítulo, e esta é a pedra de toque, essa abnegação utópica, porque presa a esses referentes-mito, criou nesses jovens - burgueses, em grande parte dos casos, como é sabido - uma projecção imediatista, pouco ou nada reflectida (este Carlos nem livrinhos de bolso do Lenine transporta consigo...), para lutar. A personagem de Carlos é, neste particular, um exemplo paradigmático desse estado das coisas - e por isso é que o seu "hasta la victoria siempre!" soa tão vazio e artificial, como um qualquer slogan da coca cola (coca cola e Marx, à Godard). Mas dizer (ou filmar) isto não é descaracterizar ou falsificar; é, na verdade, documentar e reflectir sobre uma época e uma certa forma de estar entre os jovens filiados na esquerda radical dessa Europa de então.
Como retrato histórico e bem dentro dos movimentos revolucionários de esquerda europeus que proliferavam nos anos 70, continuo a preferir O Complexo de Baader Meinhoff (2008), de Uli Edel (foto abaixo), ou até A Melhor Juventude (2003, Marco Tullio Giordana) e Bom Dia, Noite (2003, Marco Bellochio).
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