*ou elogio um tanto ou quanto desconexo, meio a quente, sobre o baile.
Após trocar algumas palavras sobre o Le Bal, depois de se passar o filme, acabei por me encontrar numa situação nova: já me tinha ocorrido de já não ter gostado de um filme perante o gáudio geral; desta feita, senti-me um bicho raro que gostou de coisa ainda mais inusitada, sem ser secundado pela globalidade das pessoas com quem troquei palavras.
A esse propósito, são bastante impressivas as palavras da comentadora Rio: “escrevo este mail no intuito de partilhar o meu deslumbramento com o filme de hoje. assim, sem meios termos nem meios adjectivos; assim, porque este filme não é de meias medidas. ou se adora ou se sai a meio do filme. eu, adorei: a sucessiva passagem do tempo, mantendo os lugares, mudando personagens nos mesmos corpos de há pouco; a emotividade que transborda de cada gesto e de cada olhar; o simbolismo de pequenos objectos e de grandes épocas. este filme transpira segredos.obrigada a quem escolheu o filme.”
Longe de querer inculcar o meu sentido estético, que vale o que vale, quero expor aqui aquilo de que mais gosto no filme. Cá vai.
O veio que parece unir todos os pedaços do filme é a dança. E a dança surge como uma espécie de resposta a uma necessidade natural do homem, a de se evadir das coisas normais do dia-a-dia - ignorando-as, exultando-as, esquecendo-as. Curioso, então, como em torno dessa ideia reitora gravitam todos as idiossincrasias dos homens de cada condição, aqui mais em função do tempo e do “estrato” social do que, propriamente, do espaço (estamos sempre no mesmo salão de baile). A dança, embora vindo como uma resposta, conhece várias vestes: sobre o mesmo chão, operários dançam fraternalmente, sem qualquer tipo de formalidades; rockabillies, como rejeitando a dança, dão um espectáculo meio dionisíaco, partindo cadeiras, rolando em cambalhotas; …, dança-se ainda o chá-chá-chá, o samba, e muitas outras variantes.
Os exemplos de como a dança surge como um reflexo de algo de co-natural ao homem, ou melhor dizendo, como uma resposta a um apelo natural, podem apontar-se:
1. O oficial alemão que, perante o enxovalho de não encontrar qualquer mulher para dançar, presta-se, segundo parece, À vergonha maior de dançar com um homem (muito embora, prudentemente, coloque uma luva na mão que dá ao par de bailarico).
2. O sujeito que, mandando parar a música, vê uma mulher, logo secundada pelos restantes bailantes, a criar um ritmo musical pelo bater dos pés no chão, como que sugerindo não haver poder que consiga abafar plenamente a condição humana
3. Os grandes revolucionários que, embora querendo romper com tudo-e-mais-alguma-coisa, não resistem a invadir o salão de baile e a dançar agarradinhos.
4. O homem que, mutilado pela guerra, só com uma perna, dança aos pulinhos.
Por outro lado, como reflexo de como o conjuntural se cruza com o estrutural:
1. O modo como o salão de baile, a música e a banda gravitam sempre em função da dança (paradigmaticamente, numa cena a banda está a sair do salão do baile, por o "seu tempo" ter passado).
2. Como, embora em coisa tão inócua como a dança, os homens recusam ao colaboracionista francês a condição de um igual, não o deixando participar na roda (aliás, invectivando-o…).
Dança-se, no le bal, por tudo e mais alguma coisa: para comemorar as vitórias na rua, na guerra, para passar bem a noite, para tocar em alguém do sexo oposto, para se divertir; dança-se em dias de penúria e prosperidade, quando o salão serve para baile ou como espécie de bunker; dança-se quando se quer dançar, quando se pode dançar, e ainda quando querem impedir a própria dança. No fundo, dança-se sempre, e sugere-se que para sempre se dançara.
A esse propósito, são bastante impressivas as palavras da comentadora Rio: “escrevo este mail no intuito de partilhar o meu deslumbramento com o filme de hoje. assim, sem meios termos nem meios adjectivos; assim, porque este filme não é de meias medidas. ou se adora ou se sai a meio do filme. eu, adorei: a sucessiva passagem do tempo, mantendo os lugares, mudando personagens nos mesmos corpos de há pouco; a emotividade que transborda de cada gesto e de cada olhar; o simbolismo de pequenos objectos e de grandes épocas. este filme transpira segredos.obrigada a quem escolheu o filme.”
Longe de querer inculcar o meu sentido estético, que vale o que vale, quero expor aqui aquilo de que mais gosto no filme. Cá vai.
O veio que parece unir todos os pedaços do filme é a dança. E a dança surge como uma espécie de resposta a uma necessidade natural do homem, a de se evadir das coisas normais do dia-a-dia - ignorando-as, exultando-as, esquecendo-as. Curioso, então, como em torno dessa ideia reitora gravitam todos as idiossincrasias dos homens de cada condição, aqui mais em função do tempo e do “estrato” social do que, propriamente, do espaço (estamos sempre no mesmo salão de baile). A dança, embora vindo como uma resposta, conhece várias vestes: sobre o mesmo chão, operários dançam fraternalmente, sem qualquer tipo de formalidades; rockabillies, como rejeitando a dança, dão um espectáculo meio dionisíaco, partindo cadeiras, rolando em cambalhotas; …, dança-se ainda o chá-chá-chá, o samba, e muitas outras variantes.
Os exemplos de como a dança surge como um reflexo de algo de co-natural ao homem, ou melhor dizendo, como uma resposta a um apelo natural, podem apontar-se:
1. O oficial alemão que, perante o enxovalho de não encontrar qualquer mulher para dançar, presta-se, segundo parece, À vergonha maior de dançar com um homem (muito embora, prudentemente, coloque uma luva na mão que dá ao par de bailarico).
2. O sujeito que, mandando parar a música, vê uma mulher, logo secundada pelos restantes bailantes, a criar um ritmo musical pelo bater dos pés no chão, como que sugerindo não haver poder que consiga abafar plenamente a condição humana
3. Os grandes revolucionários que, embora querendo romper com tudo-e-mais-alguma-coisa, não resistem a invadir o salão de baile e a dançar agarradinhos.
4. O homem que, mutilado pela guerra, só com uma perna, dança aos pulinhos.
Por outro lado, como reflexo de como o conjuntural se cruza com o estrutural:
1. O modo como o salão de baile, a música e a banda gravitam sempre em função da dança (paradigmaticamente, numa cena a banda está a sair do salão do baile, por o "seu tempo" ter passado).
2. Como, embora em coisa tão inócua como a dança, os homens recusam ao colaboracionista francês a condição de um igual, não o deixando participar na roda (aliás, invectivando-o…).
Dança-se, no le bal, por tudo e mais alguma coisa: para comemorar as vitórias na rua, na guerra, para passar bem a noite, para tocar em alguém do sexo oposto, para se divertir; dança-se em dias de penúria e prosperidade, quando o salão serve para baile ou como espécie de bunker; dança-se quando se quer dançar, quando se pode dançar, e ainda quando querem impedir a própria dança. No fundo, dança-se sempre, e sugere-se que para sempre se dançara.
Parece-me assim que, pela dança, Ettore Scola consegue tocar numa dimensão que tem o seu quê de absoluto. Pela sucessão de imagens de homens em diferentes períodos históricos a fazer a mesma coisa, dançar, começamos a ver algo que está para além, um reflexo de algo que parece irmanar todos os homens na mesma condição. Independentemente de tudo o que nos distingue, ali vemos humanos, acima de tudo humanos, e na sua diferença não hesitamos em considerá-los da mesma carne.
E, isso, sendo poupadinho nas palavras, é genial.
E, isso, sendo poupadinho nas palavras, é genial.
(curiosamente, a imagem do cartaz a anunciar o filme tinha uma gravura representando uma dança, porventura com alguns séculos. Apesar de ter sido por acaso, ajusta-se que nem uma luva ao filme que se passou.)
1 comentário:
olá a todos!
para qdo novidades acerca da tão esperada semana de "chá com cinema"?
Obrigado!
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