quinta-feira, abril 16, 2009

La Chinoise

(ou "lá chinóise")


de Jean-Luc Godard

Creio nunca ter tido tanta dificuldade em fazer uma crítica a um filme como a este, de Godard. Porventura resultará isso da própria maneira como se estrutura: os planos (quase sempre) curtos sempre a sucederem-se fazendo apelo não à narrativa propriamente dita (que não é muito clara) mas a qualquer coisa de externo. Na verdade, fico com a ideia de que abordar o filme é abordar o maoísmo, a década de 70, o recurso à luta armada, a honestidade (ou não) dos estudantes que dizem querer construir um melhor mundo por aquela via.
A crítica que formulo é, pois, fiel espelho dessa percepção que retirei do filme: um filme cujo núcleo central parece estar fora daquilo que é filmado. De tal modo se apresenta enraizado na vida, “naquilo a que estamos habituados a ver”, que o espectador quase se sente como mais um para aquele grupo de estudantes. Sim, eles conversam sobre marxismo-leninismo, sobre a necessidade de “analisar” a vida social, sobre um grupo de temáticas que acabam sempre por girar à volta do livro vermelho. E nós estamos ali com eles, a ouvir, concordando ou discordando, embora incapazes de nos movermos no seio da história.

Falei, no primeiro parágrafo, do modo como o filme se estrutura, referindo os planos quase sempre curtos. Além disso (que rouba, desde logo, a continuidade à história), podem-se apontar os momentos em que se filma a própria rodagem do filme. La Chinoise move-se sempre nesse campo, o de “un filme en train de se faire”.
Assim, chega-se ao que já referi. É um filme diferente do habitual: não se distanciando puramente da nossa realidade – é algo que se está a fazer, ainda está do lado de cá – com ela também não se confunde, porque se passa no domínio da ficção. O que leva ao resultado de nunca nos evadirmos realmente do nosso mundo, contudo dele partindo. É um pouco confuso, sim, mas eu já reconheci que o filme me deixou em apuros…

Quanto à história, ou aos mosaicos sucessivamente colados, o que mais me impressiona (e já estamos, mais uma vez, a partir da história para fora dela…) é o modo como o grupo de estudante vai gradualmente fanatizando-se. A dada altura, parece que o objectivo já não é perseguir o que é certo, justo, mas, numa interpretação mais ou menos exegética de obras doutrinárias, perseguir o que para outros era certo ou justo. O que lhes leva a um consecutivo alheamento da realidade: a este propósito é interessante a quantidade de chavões que utilizam para falar do que quer que seja. Parece que se querem mover num mundo que desconhecem, nele tendo uma fé indizível. Rudemente poder-se-á dizer que a fé justifica-se pela promessa de que, no fim, todo o caminho terá valido a pena.
No entanto, perspectivei também algo mais, porventura motivado por considerações extra-la chinoise: a de que, mais do que o caminho, do que a esperança de que o maoísmo seja a solução para a prosperidade dos estados europeus, o que os move é poderem encontrar um ponto de apoio na terra, algo que lhes ofereça uma razão para viverem o dia-a-dia. E esse esforço mais ou menos caprichoso de encontrar um rumo é que justifica a fanatização: o fanático sabe (ou afirma saber), antes de mais, o rumo certo, que consome todos os disparates que pelo rumo faça. Os fins, nesta linha, naturalmente justificam os meios. E, no caso, jovens aparentemente da classe média-alta movem-se no paradoxo de negarem a sociedade que lhes dá razão de ser, que lhes permite um verão num apartamento a experimentarem uma doutrina política, reduzindo toda a realidade a ricos e pobres, ilustrados e ignorantes, bons e maus. E, nessa oposição de pretos e brancos, acabam por chegar a situações limites: um membro do grupo afasta-se, um suicida-se, cometem um acto terrorista. E tudo, mais do que actos conscientes, parece um grito de revolta. Porventura aquele que, menos de dois anos após o filme, se fez ouvir no Maio de 68. Só por isso, já vale a pena.

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