Há uns tempos atrás, numa das sessões do Cineclube, tive a possibilidade de ver pela primeira vez um filme de Wes Anderson. Na altura, nunca tinha ouvido falar do realizador nem de nenhum dos seus filmes. Lembro-me que gostei do filme então exibido, Rushmore, e que fiquei curiosa pelo tipo de humor subtil e essencialmente pela forma como a banda-sonora se encaixava nas cenas, quase como se cada uma das canções tivesse sido feita para cada cena específica. A curiosidade fez-me ver quase logo de seguida The Royal Tenenbaums, mas embora seja um filme agradável, não é um filme que me tenha deixado com vontade de o voltar a ver de novo com amigos. Aconselhada pelo Guilherme, acabei a minha noite a ver The Darjeeling Limited, que me leva a arriscar escrever algumas palavras sobre o filme, neste espaço.
The Darjeeling Limited (Wes Anderson, 2007) é o nome do comboio que leva três irmãos numa espécie de intra rail por terras indianas e que acaba por ser o espaço onde se desenrola grande parte da acção.
Francis (Owen Wilson), Peter (Adrien Brody) e Jack (Jason Schwartzman), são três irmãos que já não se viam há cerca de um ano (a meio do filme acabámos por perceber porquê) e que por convite de Francis, embarcam numa viagem pela Índia que tem por objectivo o encontro espiritual de cada um consigo mesmo e com os outros. Mas cedo se percebe que a diferença de temperamento entre os irmãos vai tornar os objectivos da viagem quase impossíveis de atingir. Francis é o típico irmão mais velho, sempre a tentar tomar o comando da situação, decidindo pelos outros e tentando mostrar que sabe sempre mais do que os irmãos. Peter, por seu turno move-se sempre sem um único sorriso, o mesmo tom de voz, marcando-se por um quase snobismo e com o terrível feitio de se apropriar de tudo o que é dos outros. Jack, é dos três o que menos se marca de início no filme, mas distingue-se por traços de ingenuidade, tendo um feitio entre o submisso e o distante da realidade que o rodeia (talvez por isso seja escritor) e de certa forma obsessivo. Embora de início todos prometam tentar restaurar a confiança um nos outros, a verdade é que todos vão contanto segredos uns aos outros que acabam por não conseguir esconder do terceiro. Os três, embora adultos, acabam por ter algo de demasiado infantil que os une, algo que parece que os continua a prender a uma espécie de adolescência de aventuras e confrontos entre irmãos que nunca conseguiram no fundo ultrapassar a vontade de estarem juntos, mas que não o conseguem pois são demasiado diferentes entre si (e nesta parte do filme já me convencia que definitivamente era bom ter irmãos). Claramente Francis e Peter não conseguem de início dividir o mesmo espaço, pois estão em constante confronto, grande parte devido á forma como Francis tentar controlar todas as situações.
Se há algo que nos faz logo prender atenção no filme, é a cena inicial: Peter corre para o comboio em câmara lenta embalado por uma canção simples, mas cuja letra contém de certa forma aquilo que mais tarde se pode retirar do filme. É aliás nesta cena, que entra uma personagem (Bill Murray), que por iniciar o filme, se presume que seja das principais, mas que afinal, acaba apenas por aparecer noutro momento chave. Vi várias vezes seguidas esta cena, porque tem algo de extremamente belo e que acaba por ligar a ideia da partida do comboio à ideia de que nunca sabemos muito bem qual o destino final de todos os comboios que vamos apanhando. Quase perto do fim, há outra cena absolutamente sublime, em que a música volta a estar perfeitamente enquadrada e que transforma totalmente o ambiente e o modo como se captam as ideias que as imagens pretendem transmitir.
Mas avançando na história, Francis pretende que a sua viagem se marque por vários pontos e programas, um para cada dia, que devem completar um processo que no fim os vai acabar por unir. Mas a diferença entre a materialidade do ocidente e a espiritualidade do oriente acaba por ser difícil de ultrapassar: na primeira paragem num templo, os irmãos separam-se e dividem-se pelas várias barracas que vendem vários produtos, gastando dinheiro numa série de coisas sem utilidade (como por exemplo a cobra venenosa que levam para dentro do comboio), acabando apenas no final por entrar no templo, mas sem nunca conseguirem concentrar-se no seu objectivo. Enquanto tentam rezar, continuam a perder-se em discussões e em segredos, que afinal nunca conseguem ficar secretos por muito tempo. Aliás, o próprio verdadeiro objectivo da viagem acaba por sair da boca de Francis quase a meio da viagem.
Mas são curiosamente os objectos que eles compram na primeira paragem num templo, que acabam por desencadear as acções seguintes, que culminam com os três a serem abandonados numa paragem não se sabem bem no meio de onde, em plena noite, apenas com as malas e o pequeno rádio mp3 que Jack liga sempre nos momentos certos. Sem dúvida que é hilariante a situação em que o comboio se perde, o que leva a um diálogo absolutamente hilariante entre os três e o guia que Francis tinha contratado para a viagem. (Existem várias cenas em que é impossível não soltar uma gargalhada, pois as personagens de Wes Anderson têm sempre algo de tão simples, mas absurdo ao mesmo tempo) È aqui, quando eles são abandonados totalmente sozinhos, que se começa a perceber que afinal, nem tudo na viagem está perdido e que talvez eles consigam tirar proveito de algum do tempo que ainda lhes sobra. O resto terão de descobrir ao ver o filme.
A verdade é que ao longo do filme, vamos notando que há algo que muda nos três irmãos, a convivência entre eles já não é tão insuportável e ambos começam a ter momentos mais introspectivos (e aqui surge de novo a música, quase como que um paralelo de estados de espírito), talvez porque se encontram a partir de certo instante absolutamente sozinhos consigo mesmos. Eles caminham, mas não sabem muito bem para onde e é num acontecimento alheio que os três encontram o elo que lhes falta. É no meio de desconhecidos, entre as dificuldades de comunicação, que os três se unem no silêncio, que começam a entender o porquê de necessitarmos de conviver com certas pessoas, mesmo que normalmente seja impossível dizer-lhes em palavras que afinal até gostámos delas.
Existe uma frase no filme que resume todas as ideias “maybe we could express ourselves more fully, if we say it without words”, Wes Anderson encontrou na música a forma de o fazer. De ligar todas as personagens, mesmo aquelas que pareciam não ter papel nenhum na história (Bill Murray, por exemplo), e de nos deixar com uma ideia daquilo que ficou atrás e daquilo que vem à frente.
Se é verdade que a primeira cena em que Peter tenta apanhar o comboio é para mim uma das mais bonitas do filme, a última vez que eles apanham o comboio (mais uma vez em slow motion, mais uma vez com uma música que encaixa perfeitamente), é aquela que resume o filme, ou pelo menos a mensagem que eu consegui retirar de todo o filme: quando nos queremos encontrar a nós mesmos e aos outros, temos de nos libertar de tudo aquilo que nos prende ao mundo terrestre, só quando as coisas deixam de nos ser essenciais, é que percebemos que a essência das coisas reside nos laços que se criam com as pessoas. Existe algo de diferente nas personagens no início e no fim do filme. Pessoalmente, acho que eles conseguiram alcançar o objectivo de viagem, mas nunca da forma que tinham planeado, afinal, é nos imprevisíveis, nos improváveis e nas situações extremas que encontramos a força para nos unir a quem nos faz falta. Quando decidimos que vamos deixar as malas pelo caminho, com todas as nossas coisas dentro, para conseguirmos entrar na próxima viagem, é que conseguimos ser totalmente livres.
Destacava por último, sem dúvida, as paisagens da índia, que se perdem entre desertos, entre aldeias, entre montanhas e num pôr-do-sol cortado pelo toque dos sinos que é efectivamente bem filmado. E claro, sem esquecer, a música do genérico, impossível de não cantar (ou pelo menos não tentar) o refrão.
The Darjeeling Limited (Wes Anderson, 2007) é o nome do comboio que leva três irmãos numa espécie de intra rail por terras indianas e que acaba por ser o espaço onde se desenrola grande parte da acção.
Francis (Owen Wilson), Peter (Adrien Brody) e Jack (Jason Schwartzman), são três irmãos que já não se viam há cerca de um ano (a meio do filme acabámos por perceber porquê) e que por convite de Francis, embarcam numa viagem pela Índia que tem por objectivo o encontro espiritual de cada um consigo mesmo e com os outros. Mas cedo se percebe que a diferença de temperamento entre os irmãos vai tornar os objectivos da viagem quase impossíveis de atingir. Francis é o típico irmão mais velho, sempre a tentar tomar o comando da situação, decidindo pelos outros e tentando mostrar que sabe sempre mais do que os irmãos. Peter, por seu turno move-se sempre sem um único sorriso, o mesmo tom de voz, marcando-se por um quase snobismo e com o terrível feitio de se apropriar de tudo o que é dos outros. Jack, é dos três o que menos se marca de início no filme, mas distingue-se por traços de ingenuidade, tendo um feitio entre o submisso e o distante da realidade que o rodeia (talvez por isso seja escritor) e de certa forma obsessivo. Embora de início todos prometam tentar restaurar a confiança um nos outros, a verdade é que todos vão contanto segredos uns aos outros que acabam por não conseguir esconder do terceiro. Os três, embora adultos, acabam por ter algo de demasiado infantil que os une, algo que parece que os continua a prender a uma espécie de adolescência de aventuras e confrontos entre irmãos que nunca conseguiram no fundo ultrapassar a vontade de estarem juntos, mas que não o conseguem pois são demasiado diferentes entre si (e nesta parte do filme já me convencia que definitivamente era bom ter irmãos). Claramente Francis e Peter não conseguem de início dividir o mesmo espaço, pois estão em constante confronto, grande parte devido á forma como Francis tentar controlar todas as situações.
Se há algo que nos faz logo prender atenção no filme, é a cena inicial: Peter corre para o comboio em câmara lenta embalado por uma canção simples, mas cuja letra contém de certa forma aquilo que mais tarde se pode retirar do filme. É aliás nesta cena, que entra uma personagem (Bill Murray), que por iniciar o filme, se presume que seja das principais, mas que afinal, acaba apenas por aparecer noutro momento chave. Vi várias vezes seguidas esta cena, porque tem algo de extremamente belo e que acaba por ligar a ideia da partida do comboio à ideia de que nunca sabemos muito bem qual o destino final de todos os comboios que vamos apanhando. Quase perto do fim, há outra cena absolutamente sublime, em que a música volta a estar perfeitamente enquadrada e que transforma totalmente o ambiente e o modo como se captam as ideias que as imagens pretendem transmitir.
Mas avançando na história, Francis pretende que a sua viagem se marque por vários pontos e programas, um para cada dia, que devem completar um processo que no fim os vai acabar por unir. Mas a diferença entre a materialidade do ocidente e a espiritualidade do oriente acaba por ser difícil de ultrapassar: na primeira paragem num templo, os irmãos separam-se e dividem-se pelas várias barracas que vendem vários produtos, gastando dinheiro numa série de coisas sem utilidade (como por exemplo a cobra venenosa que levam para dentro do comboio), acabando apenas no final por entrar no templo, mas sem nunca conseguirem concentrar-se no seu objectivo. Enquanto tentam rezar, continuam a perder-se em discussões e em segredos, que afinal nunca conseguem ficar secretos por muito tempo. Aliás, o próprio verdadeiro objectivo da viagem acaba por sair da boca de Francis quase a meio da viagem.
Mas são curiosamente os objectos que eles compram na primeira paragem num templo, que acabam por desencadear as acções seguintes, que culminam com os três a serem abandonados numa paragem não se sabem bem no meio de onde, em plena noite, apenas com as malas e o pequeno rádio mp3 que Jack liga sempre nos momentos certos. Sem dúvida que é hilariante a situação em que o comboio se perde, o que leva a um diálogo absolutamente hilariante entre os três e o guia que Francis tinha contratado para a viagem. (Existem várias cenas em que é impossível não soltar uma gargalhada, pois as personagens de Wes Anderson têm sempre algo de tão simples, mas absurdo ao mesmo tempo) È aqui, quando eles são abandonados totalmente sozinhos, que se começa a perceber que afinal, nem tudo na viagem está perdido e que talvez eles consigam tirar proveito de algum do tempo que ainda lhes sobra. O resto terão de descobrir ao ver o filme.
A verdade é que ao longo do filme, vamos notando que há algo que muda nos três irmãos, a convivência entre eles já não é tão insuportável e ambos começam a ter momentos mais introspectivos (e aqui surge de novo a música, quase como que um paralelo de estados de espírito), talvez porque se encontram a partir de certo instante absolutamente sozinhos consigo mesmos. Eles caminham, mas não sabem muito bem para onde e é num acontecimento alheio que os três encontram o elo que lhes falta. É no meio de desconhecidos, entre as dificuldades de comunicação, que os três se unem no silêncio, que começam a entender o porquê de necessitarmos de conviver com certas pessoas, mesmo que normalmente seja impossível dizer-lhes em palavras que afinal até gostámos delas.
Existe uma frase no filme que resume todas as ideias “maybe we could express ourselves more fully, if we say it without words”, Wes Anderson encontrou na música a forma de o fazer. De ligar todas as personagens, mesmo aquelas que pareciam não ter papel nenhum na história (Bill Murray, por exemplo), e de nos deixar com uma ideia daquilo que ficou atrás e daquilo que vem à frente.
Se é verdade que a primeira cena em que Peter tenta apanhar o comboio é para mim uma das mais bonitas do filme, a última vez que eles apanham o comboio (mais uma vez em slow motion, mais uma vez com uma música que encaixa perfeitamente), é aquela que resume o filme, ou pelo menos a mensagem que eu consegui retirar de todo o filme: quando nos queremos encontrar a nós mesmos e aos outros, temos de nos libertar de tudo aquilo que nos prende ao mundo terrestre, só quando as coisas deixam de nos ser essenciais, é que percebemos que a essência das coisas reside nos laços que se criam com as pessoas. Existe algo de diferente nas personagens no início e no fim do filme. Pessoalmente, acho que eles conseguiram alcançar o objectivo de viagem, mas nunca da forma que tinham planeado, afinal, é nos imprevisíveis, nos improváveis e nas situações extremas que encontramos a força para nos unir a quem nos faz falta. Quando decidimos que vamos deixar as malas pelo caminho, com todas as nossas coisas dentro, para conseguirmos entrar na próxima viagem, é que conseguimos ser totalmente livres.
Destacava por último, sem dúvida, as paisagens da índia, que se perdem entre desertos, entre aldeias, entre montanhas e num pôr-do-sol cortado pelo toque dos sinos que é efectivamente bem filmado. E claro, sem esquecer, a música do genérico, impossível de não cantar (ou pelo menos não tentar) o refrão.
5 comentários:
Nice sim senhor.
estou a ver que por ca os tempos mudam
Óptimo, Daniela. Vou querer vê-lo.
Boa crítica darling, faz jus ao filme, que é sem dúvida fabuloso, uma pérola rara :)
Fiquei com vontade de ver! :)
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