sábado, março 31, 2007



fur – um retrato imaginário de diane arbus

nunca percebi porque me dizem tanto as biografias, talvez por pensar que tudo seria diferente se soubéssemos a génese global das pessoas que nos dizem muito. o que as tocou, o que as sensibilizou, porque foram por aqui e não por ali.
o trabalho de diane arbus não só me toca de uma forma especial, como está subjacente a tudo aquilo que fui construindo à volta do papel da fotografia no meu mundo. as balizas, os contornos.
gosto de ver as biografias materializadas em alguém,dá-me uma espécie de sossego.
fur – um retrato imaginário de diane arbus preencheu-me ainda mais, porque é primeiro um tributo e só depois uma possível imagem de uma biografia.
não tem relevância que tenha sido ou não assim, interessa que foi a forma como aquela pessoa (o realizador, neste caso) a viu, a questionou. é apenas a versão dele, conseguindo-nos expressar a admiração e proximidade que sentia. sei que precisava de a ver corporalizada pelos olhos de outra pessoa que não eu. soube-me bem.

o argumento é tão imbrincado num conjunto de pormenores que nos faz entrar por múltiplas janelas, querer lá estar, observar com binóculos a janela, em frente. janelas, sim, mas portas também. portas pesadas com puxadores elaborados. portas essas que nos assustam sem nos impelir a não espreitar, a recuar. lançam-nos para os nossos medos mais leves.

é um retrato imaginário, sim, com fantasia e figurações reais. a bela e o monstro. elementos teatrais, figurinos ricos a contrastar com a linearidade de um estudo fotográfico e a dureza bela da filmagem.
posso definir o filme como uma proposta, e é-o a todo o tempo. ritmos diferentes acompanhados pela música certa em cada toque, um olhar diferente para o que está á nossa volta e nos recônditos daquilo que são incognoscíveis preconceitos, as cenas estão no seu ângulo mais perfeito, mais simples mas com uma estiticidade megalómana que ali faz sentido . um vestido de azul por rendas de sentimentos que ora crescem, ora desabam.
é bom pensar que o desabrochar de diane (se é que o houve) poderia ter sido assim.

(lembro-me da linhas incertas das unhas, da insegurança tremida na voz, do salto para o novo mundo, da voz quente escondida num manto de pelo, das águas por nadar, das oscilações decididas, das saídas fortuitas, assomadas, até. dos toques crus, das imagens menos fáceis, da necessidade de ouvir um segredo. entrar no mar e sentir a que sabe o toque virgem, profundo, na pele e do alçapão... invertido de que saem as figuras disformes a desfilar diante os nossos olhos, fazendo-nos pular a curiosidade e olhar o insólito de frente ).

interpretação brilhante de nicole kidman quase magnânima, na exposição dura, de uma diane arbus conturbada, instável ainda que segura na sua intendência.
downey jr. encarna o grotesco e trabalha numa exclusiva dialéctica com a sua voz, numa pauta uníssona com a evolução e experiências entreabertas de diane. a sua interpretação é charmosa, não-grandiosa adequando-se à persona de lionel.
ty burrell tocou-me profundamente,com a complacência de allan arbus com o seu brilhantismo sintético.

uma fotografia em compasso com o enredo, sem cair no exibicionismo, de bill pope e uma centralização quase megalómana, em diane, oportuna.
a música é uma cigarra afinada, que constrói o clima consistente sem o esgotar.
não é um filme fácil, nem pretende sê-lo,como a maior parte das propostas, sobre a forma como vemos uma determinada pessoa, não são. é um retrato pelos olhos de shainberg, como ele adverte nos papiros, no início da fita.
vale mesmo a pena cobrirmo-nos com o nosso escudo de «pelos» e entrar por uma porta que espera um toque uma aceitação, para se abrir.

o trailer




ficha técnica


Título original: Fur - An Imaginary Portrait of Diane Arbus
Realizador: Steven Shainberg
Elenco: Nicole Kidman, Robert Downey Jr., Ty Burrell, Harris Yulin, Jane Alexander, Emmy Clarke, Genevieve McCarthy, Boris McGiver e Rochelle Davis
Argumento: Erin Cressida Wilson
Inspirado no livro de: Patricia Bosworth “Diane Arbus: A Biography”
Música de: Carter Burwell
Fotografia: Bill Pope

domingo, março 25, 2007

O Cineclube apresenta, esta terça-feira, um dos filmes mais marcantes da história da sétima arte:
O sétimo selo, de Ingmar Bergman.

o trailer do filme



a sinopse do filme


sábado, março 24, 2007

Prestando um verdadeiro serviço informativo para os mais desatentos, acho meu dever alertar para duas fantásticas promoções que decorrem na FNAC, quanto a mim imperdíveis para quem gosta de cinema. Voando sobre um ninho de cucos, de Milos Forman (1975), e o magnífico Goodfellas de Martin Scorsese (1990)... Aquele filme que perdeu um óscar para o Dança com Lobos... Até dói!

Ambos se encontram por aproximadamente €9. Eu aproveitei.


quinta-feira, março 22, 2007

Half Nelson (Encurralados)
de Ryan Fleck, com Ryan Gosling e Shareeka Epps


21 de Março de 2007, 18.50h, UCI Arrábida Shopping: a única sessão do último dia de exibição de Half Nelson,um drama de Ryan Fleck, protagonizado por Ryan Gosling (nomeado para o Óscar de Melhor Actor pelo seu desempenho).
Inesperadamente, as duas pessoas que entram na sala depois de mim são a Xana e o Reinaldo - uma coincidência que transformou uma ida solitária ao cinema numa pseudo-reunião cineclubesca. Mas o que se segue são 106 minutos de um relato angustiante, coroado pelas belíssimas interpretações, bem como pela excelente banda sonora...

A imagem, turva e sombria, segue o ritmo alucinante do despero de Dan Dunne, um professor dividido entre a paixão pelo ensino, a revolta contra o sistema e o vício em crack. Para além das aulas de História, Dunne é igualmente treinador da equipa feminina de basquetebol do liceu. De facto, é após um jogo que é encontrado a drogar-se por uma aluna, Drey - e daí irá crescer uma invulgar amizade, alicerçada nas dificuldades do quotidiano de um bairro pobre, que se intensifica e fortalece a cada novo obstáculo.

O trabalho de Ryan Gosling é fabuloso - das expressões faciais ao modo de falar, revelou-se, quanto a mim, um actor extremamente versátil e seguramente merecedor da nomeação para os Óscares.

Half Nelson podia ser a estória do vizinho do lado: é vívida e assustadoramente real.



o trailer:

The wind that shakes the barley

















The wind that shakes the ba
rley é o mais recente filme de Ken Loach, realizador britânico, nascido a 17 de Junho de 1936, vindo na linha das suas obras anteriores e assinado com o seu traço controverso de agitador de consciências. Loach, que tomou contacto com o mundo do espectáculo actuando no grupo de teatro da faculdade quando estudava Direito em Oxford, é um herdeiro do realismo social. Os anos 60, berço da sua vocação, consubstanciaram o ambiente propício à realização de programas que criticavam as injustiças sociais e é esse inconformismo que se torna a sua assinatura indistinta em toda a obra posterior, ainda que esta postura polémica lhe tenha praticamente paralisado a carreira durante uma década. Ao realismo foi beber a necessidade de conferir autenticidade às películas, socorrendo-se de recursos como a luz natural nas filmagens, o respeito por pronúncias e dialectos, a incorporação de dados estatísticos e imagens históricas, bem como todos os pormenores que tornam o filme credível às sensibilidades mais apuradas. Assim, os actores que desempenham papéis de irlandeses são oriundos da região de Cork, onde se desenrola a acção, e os actores que representam os soldados ingleses pertenceram – todos, sem excepção – ao exército britânico, tendo sido advertidos para usarem estritamente da agressividade exercida no contexto retratado. A fantasia tem um papel pouco preponderante no que se pretende ser um espelho de realidades amargas. O que Loach ambiciona é arrepiar a pele das audiências, chocá-las, mas não há gratuitidade na violência e no horror. A crítica que, sem pudor ou subtileza, vem escrita nos gestos e nos olhares que compõem este filme tem um sentido pedagógico: que se aprenda com o passado para que os mesmos erros não se cometam no presente. Embora o filme tenha sido laureado com a Palma de Ouro em Cannes, não foi bem recebido em Inglaterra, onde se levantaram vozes contra este britânico que não encobre as manchas na história do seu país. A realçar é o desempenho de Cillian Murphy, que já viramos o ano passado em Breakfast on Pluto, tendo participado anteriormente em filmes conhecidos do grande público, tais como Cold Mountain e Girl with a pearl earring. Mas foi 2005 o ano em que se notabilizou, chamando a atenção em Batman Begins e Red Eye. The wind that shakes the barley é o segundo filme histórico de Ken Loach, depois de Land and Freedom (1995), que se debruça sobre a guerra civil espanhola. Embora a guerra irlandesa pela independência já tivesse sido abordada pelo realizador em Hidden Agenda (1990), só em 2006 Loach abraça este fantasma. A canção tradicional irlandesa, de Robert Dwyer Joyce, que empresta o nome ao filme deixa antever o grito de revolta que é esta história feita de pessoas vulgares. Sabe a pó, a medo, ao fervilhar da revolta no sangue. É só ao que pode saber uma luta pela independência e ao cansaço de um caminho que a Irlanda vem trilhando desde sempre. É a história da guerra de Damien e Teddy O’Donnovan que, em 1920, vêem o governo britânico trair a escolha democrática irlandesa, mantendo o domínio sobre o país, embora este tivesse sido proclamado independente pelo governo de 1919, emerso da vitória do Sinn Féin nas eleições de 1918. É a história de todas as guerras que continuam a devastar vidas. Tendo como pano de fundo o testemunho histórico, o filme é uma narrativa sobre pessoas reais e os sentimentos que as movem. Despretensiosamente, prova-se o sabor dessa empatia que liga o realizador britânico a todos aqueles que não se acomodam às injustiças que sofrem. Loach procura rigorosamente a verdade e depura-a de todos os efeitos técnicos que nos poderiam afastar da única linguagem universal: os sentimentos. As personagens moldam-se aos acontecimentos e é nelas que habita o carisma do filme, na sua própria mudança, numa espécie de vulnerabilidade que, de tão humana, nos faz acreditar estarmos a espiar os momentos que pertenceram a outrem. Ken Loach é um romântico, desiludido com o poder do amor, desapaixonado por ideais que são traídos. Esta história sobre dois irmãos, envolvidos numa guerra que não tem heróis, transborda o seu tempo e o seu espaço e toca cada um de nós.

texto crítico de Samanta Dinis . Cineclube da Faculdade de Direito Up

terça-feira, março 20, 2007


«o véu pintado » é uma viagem surprendente por entre uma china longínqua e por um amor distante e sumptuoso sem esbater os contornos simples.
é uma marcha rica sobre os meandros dos pensamentos, sensações , e crenças de um povo.
é um vôo sobre aquilo que é o homem, nos seus espelhos distintos. é uma canção trauteada por entre um amor 'construído', de alicerces de areia que só não se esbatem na imensidão de um fim de mundo, ali, onde fazem mais sentido.
as interpretações de naomi watts e edward norton são de um brilhantismo invulgar, de uma notoriedade evidente, de uma riqueza pouco comum, de pequenos pormenores.
a fotografia preenche-nos as medidas, a todo o tempo, e faz-nos percorrer os campos húmidos, as chuvas quentes, os cenários de madeixas verdes.
a banda sonora de alexandre desplat (que muito justamente, a nosso ver, arrecadou o globo de ouro) leva-nos para um limbo de águas mescladas, de bambu e sonhos frustados que afloram de uma sombrinha aberta.
a realização é singela, completa, linear, sem cair na incompletude. é um véu pintado sobre imagens unas, sons diferentes, quadros quase perfeitos.

Ficha técnica
Título: O Véu Pintado
Título original:The Painted Veil
Realizador:John Curran
Elenco:Naomi Watts, Edward Norton, Liev Schreiber, Hélène Cardona, Sally Hawkins, Toby Jones, Diana Rigg, Linda Sans, Zoe Telford e Anthony Wong Chau-Sang
Banda Sonora: Alexandre Desplat
Fotografia:Stuart Dryburgh


o trailer do filme

segunda-feira, março 19, 2007

Ainda no Cinema do Teatro do Campo Alegre, o filme vencedor do Oscar para melhor filme de língua estrangeira: Das Leben der Anderen // A Vida Dos Outros.

"Das Leben der Anderen destila humanismo.
A história começa em 1984. O muro, ainda, divide as duas Alemanhas, abafando aqueles que vivem na sociedade orweliana da parte dita democrática. Uma rede de informações é tecida por muitos (tantos!) cidadãos pacatos (estranhamente "normais") que se dedicam, submissa e acomodadamente, a ver, ouvir, e relatar todos os passos de vizinhos e companheiros de trabalho. A ler a vida dos outros, à procura de passagens dissonantes com a narrativa que o regime silenciosamente impunha, num texto ditado e que todos deviam repetir.
Com o incumprimento do dever que o vinculava face ao regime, liberta-se. Reganha a sua vida, recupera a sua humanidade. Conquista o seu direito à "Sonata para um homem bom".
E o filme podia ser só isto. Mas é muito mais. Deixa-nos muitos pontos para reflectir. Dele podemos tirar muitas lições para a sociedade controladora em que vivemos. Ensina-nos a estar de atalaia para novas formas de ditadura informacional que se vão instalando, a pouco e pouco."


texto de rtp . T&L


domingo, março 11, 2007


Esta semana o Cineclube apresenta The wind that shakes the barley, o filme galardoado com a Palma de Ouro na última edição do festival de cinema de Cannes. O seu realizador é o britânico Ken Loach.

o trailer do filme



a sinopse do filme


segunda-feira, março 05, 2007


A segunda parte da nossa programação arranca na próxima terça-feira, dia 13 de Março.
Depois de uma primeira parte dedicada ao início da nova vaga francesa, às primeiras experiências neo-realistas em Itália, ao ofuscado muito embora brilhante policial francês de Clouzot e a um genial, desconcertante, punk e nihilista Naked, de Mike Leigh, avançamos para novos campos da cinematografia.

Agora com uma equipa alargada, a Organização do Cineclube continuará a cruzar épocas, estéticas e indústrias cinematográficas, propondo novos realizadores. Uns conhecidos de todos, outros nem tanto.
Começamos com um filme de 2006 que deu pela primeira vez a Ken Loach, realizador proprietário de uma vasta filmografia, a tão desejada Palma de Ouro em Cannes. O surreal Sétimo Selo, um dos exemplares da estética Noir mais geniais da história do Cinema, será o nosso segundo filme e fechará o mês de Março. Guardámos, novamente, espaço para um dos mentores da nouvelle vague, François Truffaut. Introduziremos a corrente independente americana dos anos 80 com um filme de Jarmusch, no qual participam Begnini e Tom Waits. Os filmes policiais estarão, de novo, bem representados no nosso cartaz, agora com uma película do grande mestre do género, Alfred Hitchcock. Acabaremos com um filme de gangsters, de culto para inúmeros cinéfilos e para tantos outros a película de eleição na filmografia de Tarantino.

A caminho dos 80 associados, o Cineclube da Faculdade de Direito do Porto inicia, deste modo, o seu segundo semestre de vida.

Muito obrigado a todos os nossos associados por terem abraçado este projecto. Até dia 13.

sábado, março 03, 2007


Eis mais um filme sobre um assunto que, por mais que se toque parece que nunca é suficiente. Mostra-se mais uma vez a realidade africana a que, infelizmente, já nos habituamos: lutas incessantes pelo poder com sanguinários na linha da frente. Felicitamos o intérprete de Amin, o galardoado com um óscar Forest Whitaker que, sem dúvida, mereceu o prémio. Uma interpretação fantástica num papel feito à sua medida, talvez a consagração esperada e merecida há muito tempo. Também se salienta o papel de James McAvoy, impecável a transmitir o espírito de um recém-licenciado médico nos anos 70.
Sem querer alongar muito, resta apontar a crítica: o filme em si, tanto a nível de realização como de fotografia nada tem de especial, muito pelo contrário. Os momentos de humor contrastam demasiado com a realidade que se apresenta, apesar de fieis às personagens.
Tratar-se-ia de um filme simplesmente médio, não fossem as interpretações referidas que fazem valer a pena o preço do bilhete de cinema.