quarta-feira, maio 07, 2014

indielisboa '14: "Double Play: James Benning and Richard Linklater"

Gabe Klinger, crítico de cinema, transporta-se para o outro lado e apresenta-nos um documentário qual retrato de dois cineastas norte-americanos de obras e percursos que em pouco,  em mesmo muito pouco convergem. James Benning e Richard Linklater surgem perante a câmara e aos olhos de Klinger em conversa sobre as suas incongéneres perspectivas sobre o cinema e, bem assim, sobre a vida. No fundo, diferentes estilos de cinema, diferentes estilos de vida, ou vice-versa. Um único (e forte!) elemento os une: o basebol.
 
Construído a partir de conversas filmadas entre ambos os realizadores num único fim-de-semana no Texas e imagens de arquivo que se propõe a explorar e examinar o cinema de ambos e de cada um, revisita-se em Double Play o cinema destes dois homens; os lugares, em acto de saudosismo salubérrimo, onde outrora decorreram as acções dos seus filmes como fundo de uma conversa entre dois amigos que, queríamos nós, não conhecesse um fim tão imediato, pelo menos aos nossos olhos, os dos espectadores.
 
Falamos aqui de Linklater, realizador da trilogia BEFORE, dono de uma mansão - onde pode praticar as tacadas de basebol que quiser -, com uma vida desafogada, em contraponto com James Benning, realizador de cinema independente e muitas vezes experimental, que vive numa pequena casa isolada no bosque, e para quem a paisagem no cinema cumpre uma função muito própria: a do tempo. E será este elemento, o tempo, que se afirmará como algo de comum entre o cinema dos dois cineastas, ainda que abordado, como não poderia deixar de ser, de formas diversas por cada um, em cada um. Para Benning a abordagem ao tempo afirma-se através de longos planos, planos infinitos (veja-se o close-up da água da torrente numa sequência sem fim no remake de Benning do Easy Rider) em cada filme, aquilo que Klinger denomina de duração na tela. Se assim o é para Benning, não o será tanto para Linklater, onde o tempo surge entre filmes, nos personagens que se repetem, mas que mudam, crescem, envelhecem, vivem e assumem diferentes perspectivas sobre a própria vida de filme para filme. Esta dupla relação com o tempo inspiraria Klinger para afirmar que o cinema pode fazer o tempo ser explícito ou invisível ou ambíguo; nas nossas vidas, contudo, o tempo move-se apenas num sentido e, bem assim, filmar um documentário que, nas suas palavras, se dedica à compreensão das marcas do tempo, da duração, não apenas nas (suas respectivas) obras cinematográficas, mas também na sua amizade e nas suas vidas.
 
Para Klinger, a distinção entre ambos os realizadores antitéticos existe, claro está, e existe até para ser filmada, mas não queiramos ir mais longe do que isto, não esperemos encontrar aqui uma análise ou tão-pouco um questionar sobre qual o cinema que vale mais, qual o melhor, qual o mais importante. No óptica de Klinger, tudo é cinema, inclusive a própria vida. Encontramos, contudo, uma clara reflexão sobre o cinema em si, vinda das mãos daquele que passou de crítico a realizador. Uma antítese? Uma transformação? Uma mudança de rumo na sua carreira? Não, antes uma continuação e extensão do seu papel de crítico, que insiste, agora através da lente, a pensar o cinema. Considera-se, afinal, um filho da nova vaga francesa, onde o cinema deixou de ser puro no sentido de deixar de ser apenas cinema, para passar a ser necessariamente uma reflexão sobre o cinema no próprio cinema, ideia que Double Play não permite desmentir e, acrescenta-se, fá-lo de forma exímia.
 
Double Play: James Benning and Richard Linklater, 2013, de Gabe Klinger.

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