quinta-feira, outubro 02, 2008

Gomorra ou a Cidade de Deus italiana


Fui ver há dias o tão propalado filme de Matteo Garrone, Gomorra. E o que posso dizer é que o que mais gostei em toda a fita foi a fotografia. Ora isto pode traduzir diferentes perspectivas da apreciação pessoal de um filme. Para o caso concreto, o que mais gostei foi a fotografia é em tom depreciativo.
Gomorra é mais do mesmo, na minha modesta opinião. Mais máfia, mais tiros, mais droga, mais miudos perdidos na teia do crime organizado, mais isto e aquilo. Está certo que à partida Garrone é corajoso por apostar num filme cuja temática já foi saturadamente explorada. E certo está que o argumento não é original mas inspirado no livro Gomorra de Roberto Saviano. Mas a verdade é que para pegar num tema velho como este, mais valia pegar com originalidade e reflexão. Sou suspeito no entanto, dada a minha parca paciência para filmes com muitos bosses, droga e armas.
Mas vamos ao filme: Gomorra retrata a delinquência dos bairros sociais de Nápoles nos anos 60 e 70 através de uma camera espectadora, expectante, narradora, quase que em registo documental. Deliquência essa que tem como epicentro o poderoso negócio da droga, e com ele das armas e da corrupção.
Apesar de pegar em 5 histórias diferentes, o realizador vai conduzindo-nos fundamentalmente através dos olhos e pensamento de Toto, um miudo filho de uma merceeira que enquanto vai vendendo as coisas da loja da mãe de porta em porta vai observando a repetição exaustiva de cenas de tráfico e violência. O quê que isto nos faz lembrar? Muitos outros filmes, pois claro.
Outras quatro histórias se nos deparam. A de um Don que explora aterros para lá esconder "resíduos químicos"; a de dois jovens turbulentos que se iniciam na vida do crime mas só fazem asneiras da grossa; a de Don Ciro, um intermediário de uma das máfias que paga as contas da organização de porta em porta; e a de um empregado de um fábrica de costura pertencente a um patrão que não paga a ninguém e que quando sabe que o seu empregado faz horas extra numa fábrica chinesa clandestina o manda assassinar.
Na minha opinião, muito do insucesso deste filme passa pela inexistência de uma linha coerente entre estas histórias. Chegar a parecer um amontoado de cenas chocantes. Se se pretendia denúncia e crítica social, tudo bem. Parabéns! Se se pretendia realismo, tudo bem. Hiper-realismo, sem dúvida! Agora se não se pretende mais do que isso, então é uma pena.
Talvez o filme acabe por desenhar uma linha evolutiva da delinquência (multifacetada): o pequeno Toto, os dois adolescentes; o aprendiz do Don que controla os aterros; o costureiro; e Don Ciro como conclusão aterradora de uma vida de tensões, medo e violência.
Também a forma como se expõe a estupidez xenófoba está interessante: chineses, italianos, colombianos e outros. Todos contra todos. Todos a negociar uns com os outros. Ali, a vida negoceia-se.
Por outro lado, não se chega a compreender se existe ou não uma unidade na máfia napolitana. Se existe uma máfia da Gomorra, ou apenas bandos atrás de bandos. Para piorar as coisas, fica-se ainda mais confuso quando no fim passam uma série de frases bombásticas em que numa delas se lê qualquer coisa como: "A Máfia de Gomorra investiu milhões de dólares na reconstrução do Ground Zero de Nova Yorque".
Destaque para as actuações de Gianfelice Imparato (Don Ciro) e do empregado da fábrica de costura, do qual não sei o nome neste momento. Representam ambos uma geração mais velha, uma geração cansada da realidade circundante e procurando um sentido mais claro para o seu dia a dia. A angústia está fortemente enraizada nestas personagens.
Como referi no início, o que mais gostei em Gomorra foi mesmo a fotografia. Por isso aqui ficam dois exemplares de uma cena em que a violência é pintada nos seus tons (humanos) mais absurdos: loucura, irracionalidade, estupidez, histeria, selvajaria.


1 comentário:

Lua disse...

Oi, entrei por acaso aqui, pois ia justo escrever em meu blog sobre este entediante filme quando ao fazer a pesquisa no google me deparei com teu texto.

Concordo absoultamente com o que falastes, o melhorzinho é a fotografia, aquelas cenas foram as mais legais e a sensação que tens quando sais do cinema é que vistes um amontoado de cenas desconexas, ou com uma conexão muito sutil, deixando muito a desejar.


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Gostei bastante do blog, inclusive vou adicionar aos meus favoritos. S e quiserem me visitar serão bem vindos também:
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Abraços
Lua