quarta-feira, março 30, 2011

"A L'ORIGINE" - crítica


CINECLUBE FDUP | 29 MARÇO 2011
“A L’ÓRIGINE” (2009), de Xavier Giannoli.

Crítica por: Francisco Noronha


“A L’Origine” é um autêntico ensaio sobre os amargurados tempos que as sociedades capitalistas ocidentais atravessam no presente, com tudo o que isso implica: não só o sufoco económico propriamente dito, mas também as suas implicações no agir humano, na deturpação e reconstrução de novos sonhos e utopias para alguns. A Europa “do Estado Social”, esse já quase mito, e por muitos acusado de irremediavelmente fracassado, não sai bem na fotografia – belíssima, diga-se - de Xavier Giannoli. E assim é porque Giannoli capta o seu lado menos feliz (e menos falado), mas que é na verdade uma realidade bem simples: “A L’Origine” tem uma preocupação clara em mostrar os “esquecidos” do Estado Social, aqueles que o Estado abandonou quando a modernização dos tempos se centrou nas cidades, deixando os meios rurais à margem do progresso e entregues a si próprios. A ternura e, de certa forma, o respeito com que Giannoli apresenta os “esquecidos” – honestos, calorosos, trabalhadores – é motivo para sugerir que o Estado Social talvez não tenha falhado devido apenas a factores externos a si mesmo – o capitalismo amoral, ganancioso – mas também por culpa própria.



Falávamos de sonhos e utopias: no caso, a construção de um troço de auto-estrada rumo a direcção nenhuma, projecto que se inicia com um conjunto feliz de coincidências a que Phillipe Miller (um enorme François Cluz) é relativamente alheio (as coisas vão acontecendo à sua volta, sem que ele faça muito por isso), mas que acaba por se tornar num megalómano e surrealista (a cena em que o director da empresa CJI lhe pergunta para onde afinal se dirige a auto-estrada é excelente) projecto pessoal que ele quer ver materializado a todo o custo, ainda que isso acarrete actos moralmente censuráveis. Embora Miller, e é isto que faz dele uma personagem complexa e interessante, não seja linearmente classificável como um "tipo mau"; pelo contrário, ele revela em muitas situações solidariedade e compaixão (a forma como se preocupa com Monika e Nicolas) e controlo emocional (quando não se deixa levar à primeira pelo encanto de Stéphane e diz para si próprio, aterrado, "tudo isto é falso"). O que é, de novo, contrabalançado cruamente pela questão de fundo: Miller é um burlão que está a enganar uma terra inteira. Ponto.



No fundo, é esse sonho, desde o início condenado ao fracasso e ao nonsense - e nisso reside o cariz trágico omnipresente do filme - que lhe reanima o espírito e o volta a fazer viver os dias com alegria - "nunca tinha tido vontade de ficar tanto tempo no mesmo sítio", diz ele a Stéphane (a bela Emmanuelle Devos). Miller vai assim acabando por se convencer, irracionalmente, de uma fantasia, de uma ilusão de que ele é o grande artífice. E é nesta "Grande Ilusão" de Miller que ganha sentido o paralelismo estabelecido por um crítico entre a narrativa de "A L'Origine" e o Cinema: tal como um realizador ou, em bom rigor, tal como um realizador-autor, Phillipe Miller está a construir uma ilusão contra todas as adversidades do establishment político, económico e cultural. O que move ambos? Paixão, coragem, fantasia, irreverência… enfim, a sensação de estar a mexer com as pessoas - em Miller a população local, no realizador os espectadores.



A cena final, em que os carros da polícia se dirigem de encontro a Miller, ironicamente, pela estrada que ele próprio projectou e concretizou, e onde este crava uma esfarrapada bandeira num pequeno monte, é profundamente comovente e só ao alcance dos mais sábios. A alusão metafórica ao "espetar da bandeira" e às conquistas da humanidade (no Everest, na Lua, etc.) constitui assim uma questão de escala: o confronto entre as pequenas conquistas de uns (anónimos, solitários, como Miller) e as grandes conquistas de outros (famosos, mediáticos).
No fundo, as conquistas de uns são tão meritórias como as de outros. Uns e outros partilham da mesma quimera: superarem-se e serem mais felizes. É tudo uma questão de escala...

Em tantas outras circunstâncias, é disto que as pessoas vivem, sobretudo nos tempos mais difíceis: pequenas metas e ambições pessoais que impõem a si mesmas como estimulantes para cada novo dia. "Pequenas", disse eu; a de Phillipe Miller tinha alguns kilómetros...

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