Muito reduzido mas persistente, o público pôde assistir a uma motivante e esclarecedora apresentação por parte do Prof. Doutor Paulo Adragão. O filme, A Man for all Seasons, mostrou bem porque arrecadou 6 Óscares em 1966.
Por acidente de logistica, o chá não houve.
E já vão três...
quinta-feira, abril 30, 2009
quarta-feira, abril 29, 2009
28 Abril - Citizen Kane
segunda-feira, abril 27, 2009
27 Abril - La Haine
sábado, abril 25, 2009
Semana Chá com Cinema - Sessões
Apresentação: Dra. Rita Faria
Apresentação: Prof. Doutor Colaço Antunes
Apresentação: Prof. Doutor Paulo Adragão
Apresentação: Dra. Maria Regina Redinha
P.s.: o primeiro cartaz está errado no que toca às horas. Por motivos de logística, apenas as duas primeiras sessões serão às 18:15h, sendo as duas últimas às 19h.
quarta-feira, abril 22, 2009
Semana Chá com Cinema
domingo, abril 19, 2009
qualquer coisa como isto:
El 25 de Abril fue una fiesta del rojo; no el rojo del sangue pero el rojo del corazon.
quinta-feira, abril 16, 2009
amizade
Quando leio a contracapa do dvd d' O Carteiro de Pablo Neruda - e depois de passar à frente o absurdo epíteto de "comédia romântica" - vejo a fita descrita como uma maravilhosa história de amor entre um homem e uma mulher.
Errado.
Há uma história de amor entre um homem e uma mulher.
Mas isso é só uma história. Dentro de uma outra bem maior - gigante - sobre Amizade, companheirismo, cumplicidade, respeito.
La Chinoise
(ou "lá chinóise")
de Jean-Luc Godard
Creio nunca ter tido tanta dificuldade em fazer uma crítica a um filme como a este, de Godard. Porventura resultará isso da própria maneira como se estrutura: os planos (quase sempre) curtos sempre a sucederem-se fazendo apelo não à narrativa propriamente dita (que não é muito clara) mas a qualquer coisa de externo. Na verdade, fico com a ideia de que abordar o filme é abordar o maoísmo, a década de 70, o recurso à luta armada, a honestidade (ou não) dos estudantes que dizem querer construir um melhor mundo por aquela via.
A crítica que formulo é, pois, fiel espelho dessa percepção que retirei do filme: um filme cujo núcleo central parece estar fora daquilo que é filmado. De tal modo se apresenta enraizado na vida, “naquilo a que estamos habituados a ver”, que o espectador quase se sente como mais um para aquele grupo de estudantes. Sim, eles conversam sobre marxismo-leninismo, sobre a necessidade de “analisar” a vida social, sobre um grupo de temáticas que acabam sempre por girar à volta do livro vermelho. E nós estamos ali com eles, a ouvir, concordando ou discordando, embora incapazes de nos movermos no seio da história.
Falei, no primeiro parágrafo, do modo como o filme se estrutura, referindo os planos quase sempre curtos. Além disso (que rouba, desde logo, a continuidade à história), podem-se apontar os momentos em que se filma a própria rodagem do filme. La Chinoise move-se sempre nesse campo, o de “un filme en train de se faire”.
Assim, chega-se ao que já referi. É um filme diferente do habitual: não se distanciando puramente da nossa realidade – é algo que se está a fazer, ainda está do lado de cá – com ela também não se confunde, porque se passa no domínio da ficção. O que leva ao resultado de nunca nos evadirmos realmente do nosso mundo, contudo dele partindo. É um pouco confuso, sim, mas eu já reconheci que o filme me deixou em apuros…
Quanto à história, ou aos mosaicos sucessivamente colados, o que mais me impressiona (e já estamos, mais uma vez, a partir da história para fora dela…) é o modo como o grupo de estudante vai gradualmente fanatizando-se. A dada altura, parece que o objectivo já não é perseguir o que é certo, justo, mas, numa interpretação mais ou menos exegética de obras doutrinárias, perseguir o que para outros era certo ou justo. O que lhes leva a um consecutivo alheamento da realidade: a este propósito é interessante a quantidade de chavões que utilizam para falar do que quer que seja. Parece que se querem mover num mundo que desconhecem, nele tendo uma fé indizível. Rudemente poder-se-á dizer que a fé justifica-se pela promessa de que, no fim, todo o caminho terá valido a pena.
No entanto, perspectivei também algo mais, porventura motivado por considerações extra-la chinoise: a de que, mais do que o caminho, do que a esperança de que o maoísmo seja a solução para a prosperidade dos estados europeus, o que os move é poderem encontrar um ponto de apoio na terra, algo que lhes ofereça uma razão para viverem o dia-a-dia. E esse esforço mais ou menos caprichoso de encontrar um rumo é que justifica a fanatização: o fanático sabe (ou afirma saber), antes de mais, o rumo certo, que consome todos os disparates que pelo rumo faça. Os fins, nesta linha, naturalmente justificam os meios. E, no caso, jovens aparentemente da classe média-alta movem-se no paradoxo de negarem a sociedade que lhes dá razão de ser, que lhes permite um verão num apartamento a experimentarem uma doutrina política, reduzindo toda a realidade a ricos e pobres, ilustrados e ignorantes, bons e maus. E, nessa oposição de pretos e brancos, acabam por chegar a situações limites: um membro do grupo afasta-se, um suicida-se, cometem um acto terrorista. E tudo, mais do que actos conscientes, parece um grito de revolta. Porventura aquele que, menos de dois anos após o filme, se fez ouvir no Maio de 68. Só por isso, já vale a pena.
de Jean-Luc Godard
Creio nunca ter tido tanta dificuldade em fazer uma crítica a um filme como a este, de Godard. Porventura resultará isso da própria maneira como se estrutura: os planos (quase sempre) curtos sempre a sucederem-se fazendo apelo não à narrativa propriamente dita (que não é muito clara) mas a qualquer coisa de externo. Na verdade, fico com a ideia de que abordar o filme é abordar o maoísmo, a década de 70, o recurso à luta armada, a honestidade (ou não) dos estudantes que dizem querer construir um melhor mundo por aquela via.
A crítica que formulo é, pois, fiel espelho dessa percepção que retirei do filme: um filme cujo núcleo central parece estar fora daquilo que é filmado. De tal modo se apresenta enraizado na vida, “naquilo a que estamos habituados a ver”, que o espectador quase se sente como mais um para aquele grupo de estudantes. Sim, eles conversam sobre marxismo-leninismo, sobre a necessidade de “analisar” a vida social, sobre um grupo de temáticas que acabam sempre por girar à volta do livro vermelho. E nós estamos ali com eles, a ouvir, concordando ou discordando, embora incapazes de nos movermos no seio da história.
Falei, no primeiro parágrafo, do modo como o filme se estrutura, referindo os planos quase sempre curtos. Além disso (que rouba, desde logo, a continuidade à história), podem-se apontar os momentos em que se filma a própria rodagem do filme. La Chinoise move-se sempre nesse campo, o de “un filme en train de se faire”.
Assim, chega-se ao que já referi. É um filme diferente do habitual: não se distanciando puramente da nossa realidade – é algo que se está a fazer, ainda está do lado de cá – com ela também não se confunde, porque se passa no domínio da ficção. O que leva ao resultado de nunca nos evadirmos realmente do nosso mundo, contudo dele partindo. É um pouco confuso, sim, mas eu já reconheci que o filme me deixou em apuros…
Quanto à história, ou aos mosaicos sucessivamente colados, o que mais me impressiona (e já estamos, mais uma vez, a partir da história para fora dela…) é o modo como o grupo de estudante vai gradualmente fanatizando-se. A dada altura, parece que o objectivo já não é perseguir o que é certo, justo, mas, numa interpretação mais ou menos exegética de obras doutrinárias, perseguir o que para outros era certo ou justo. O que lhes leva a um consecutivo alheamento da realidade: a este propósito é interessante a quantidade de chavões que utilizam para falar do que quer que seja. Parece que se querem mover num mundo que desconhecem, nele tendo uma fé indizível. Rudemente poder-se-á dizer que a fé justifica-se pela promessa de que, no fim, todo o caminho terá valido a pena.
No entanto, perspectivei também algo mais, porventura motivado por considerações extra-la chinoise: a de que, mais do que o caminho, do que a esperança de que o maoísmo seja a solução para a prosperidade dos estados europeus, o que os move é poderem encontrar um ponto de apoio na terra, algo que lhes ofereça uma razão para viverem o dia-a-dia. E esse esforço mais ou menos caprichoso de encontrar um rumo é que justifica a fanatização: o fanático sabe (ou afirma saber), antes de mais, o rumo certo, que consome todos os disparates que pelo rumo faça. Os fins, nesta linha, naturalmente justificam os meios. E, no caso, jovens aparentemente da classe média-alta movem-se no paradoxo de negarem a sociedade que lhes dá razão de ser, que lhes permite um verão num apartamento a experimentarem uma doutrina política, reduzindo toda a realidade a ricos e pobres, ilustrados e ignorantes, bons e maus. E, nessa oposição de pretos e brancos, acabam por chegar a situações limites: um membro do grupo afasta-se, um suicida-se, cometem um acto terrorista. E tudo, mais do que actos conscientes, parece um grito de revolta. Porventura aquele que, menos de dois anos após o filme, se fez ouvir no Maio de 68. Só por isso, já vale a pena.
sexta-feira, abril 10, 2009
The Great Escape, por André Silva
Equipas de homens são organizadas para o planeamento, escavação, ocultação de solo, fabrico de roupas civis, falsificação de documentos, segurança e distracções, contrabando e procura de materiais, tudo com um único objectivo: a fuga de 250 prisioneiros de um campo de concentração nazi, através de vários túneis subterrâneos. “The Great Escape” é um filme produzido e dirigido em 1963 por John Sturges. Baseado num romance de Paul Brickhill, sobre uma tentativa de fuga de um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial por parte de um grupo de prisioneiros do grupo dos Aliados. Brickhill tinha sido um prisioneiro de guerra juntamente com o seu amigo George Harsh, contando no seu livro as suas próprias memórias e experiências. Estrelas como Steve McQueen, James Garner, Richard Attenborough, Charles Bronson, Donald Pleasence, James Coburn, David McCallum e James Donald iniciam neste filme as suas brilhantes carreiras no mundo do cinema.
Em 1944, os alemães têm uma especial prisão construída, projectada para assegurar que os mais problemáticos presos não conseguissem escapar, apesar dos vários esforços. Ao longo de três horas conhecemos uma multiplicidade de personagens que nos são apresentadas detalhadamente, provocando-nos uma qualquer ligação pessoal entre os prisioneiros e o próprio espectador. A abordagem do filme parece realçar a ideia de resistência do grupo, retratando a força e o triunfo do espírito humano.
O único aspecto que realmente posso referir como menos positivo é a duração do filme. Senti que o filme se prolongava demasiado ao longo de quase três horas. Apesar disso não consigo pensar em alguma cena que poderia ser retirada. A direcção, a fotografia e a edição musical contribuíram bastante para o sucesso desta obra. A história embora não incrivelmente profunda, é envolvente e inteligentemente bem escrita. Não fugindo muito do tema central da fuga da prisão, seduz pela pormenorizada descrição e exposição que é feita da vida dos prisioneiros que meticulosamente planeiam a árdua construção dos três túneis. Sturges consegue manter ao longo do filme uma agradável sensação de interesse e descoberta quanto ás vidas das personagens pessoalmente apresentadas anteriormente. Lendário ficará para sempre o salto de mota de Steve McQueen, como a ultima tentativa desesperada de fuga para a liberdade da Suiça.
“The Great Escape” tem uma peculiar capacidade de conseguir misturar uma emocionante história sobre a Segunda Guerra Mundial, com a horrível natureza dos inerentes custos de guerra. Interessante no modo como nos é apresentada a história, tradicional na maneira visual como o filme é realizado, mas com a certeza de ser um clássico a revisitar.
autor: André Silva
sexta-feira, abril 03, 2009
le bal (2)
*ou elogio um tanto ou quanto desconexo, meio a quente, sobre o baile.
Após trocar algumas palavras sobre o Le Bal, depois de se passar o filme, acabei por me encontrar numa situação nova: já me tinha ocorrido de já não ter gostado de um filme perante o gáudio geral; desta feita, senti-me um bicho raro que gostou de coisa ainda mais inusitada, sem ser secundado pela globalidade das pessoas com quem troquei palavras.
A esse propósito, são bastante impressivas as palavras da comentadora Rio: “escrevo este mail no intuito de partilhar o meu deslumbramento com o filme de hoje. assim, sem meios termos nem meios adjectivos; assim, porque este filme não é de meias medidas. ou se adora ou se sai a meio do filme. eu, adorei: a sucessiva passagem do tempo, mantendo os lugares, mudando personagens nos mesmos corpos de há pouco; a emotividade que transborda de cada gesto e de cada olhar; o simbolismo de pequenos objectos e de grandes épocas. este filme transpira segredos.obrigada a quem escolheu o filme.”
Longe de querer inculcar o meu sentido estético, que vale o que vale, quero expor aqui aquilo de que mais gosto no filme. Cá vai.
O veio que parece unir todos os pedaços do filme é a dança. E a dança surge como uma espécie de resposta a uma necessidade natural do homem, a de se evadir das coisas normais do dia-a-dia - ignorando-as, exultando-as, esquecendo-as. Curioso, então, como em torno dessa ideia reitora gravitam todos as idiossincrasias dos homens de cada condição, aqui mais em função do tempo e do “estrato” social do que, propriamente, do espaço (estamos sempre no mesmo salão de baile). A dança, embora vindo como uma resposta, conhece várias vestes: sobre o mesmo chão, operários dançam fraternalmente, sem qualquer tipo de formalidades; rockabillies, como rejeitando a dança, dão um espectáculo meio dionisíaco, partindo cadeiras, rolando em cambalhotas; …, dança-se ainda o chá-chá-chá, o samba, e muitas outras variantes.
Os exemplos de como a dança surge como um reflexo de algo de co-natural ao homem, ou melhor dizendo, como uma resposta a um apelo natural, podem apontar-se:
1. O oficial alemão que, perante o enxovalho de não encontrar qualquer mulher para dançar, presta-se, segundo parece, À vergonha maior de dançar com um homem (muito embora, prudentemente, coloque uma luva na mão que dá ao par de bailarico).
2. O sujeito que, mandando parar a música, vê uma mulher, logo secundada pelos restantes bailantes, a criar um ritmo musical pelo bater dos pés no chão, como que sugerindo não haver poder que consiga abafar plenamente a condição humana
3. Os grandes revolucionários que, embora querendo romper com tudo-e-mais-alguma-coisa, não resistem a invadir o salão de baile e a dançar agarradinhos.
4. O homem que, mutilado pela guerra, só com uma perna, dança aos pulinhos.
Por outro lado, como reflexo de como o conjuntural se cruza com o estrutural:
1. O modo como o salão de baile, a música e a banda gravitam sempre em função da dança (paradigmaticamente, numa cena a banda está a sair do salão do baile, por o "seu tempo" ter passado).
2. Como, embora em coisa tão inócua como a dança, os homens recusam ao colaboracionista francês a condição de um igual, não o deixando participar na roda (aliás, invectivando-o…).
Dança-se, no le bal, por tudo e mais alguma coisa: para comemorar as vitórias na rua, na guerra, para passar bem a noite, para tocar em alguém do sexo oposto, para se divertir; dança-se em dias de penúria e prosperidade, quando o salão serve para baile ou como espécie de bunker; dança-se quando se quer dançar, quando se pode dançar, e ainda quando querem impedir a própria dança. No fundo, dança-se sempre, e sugere-se que para sempre se dançara.
A esse propósito, são bastante impressivas as palavras da comentadora Rio: “escrevo este mail no intuito de partilhar o meu deslumbramento com o filme de hoje. assim, sem meios termos nem meios adjectivos; assim, porque este filme não é de meias medidas. ou se adora ou se sai a meio do filme. eu, adorei: a sucessiva passagem do tempo, mantendo os lugares, mudando personagens nos mesmos corpos de há pouco; a emotividade que transborda de cada gesto e de cada olhar; o simbolismo de pequenos objectos e de grandes épocas. este filme transpira segredos.obrigada a quem escolheu o filme.”
Longe de querer inculcar o meu sentido estético, que vale o que vale, quero expor aqui aquilo de que mais gosto no filme. Cá vai.
O veio que parece unir todos os pedaços do filme é a dança. E a dança surge como uma espécie de resposta a uma necessidade natural do homem, a de se evadir das coisas normais do dia-a-dia - ignorando-as, exultando-as, esquecendo-as. Curioso, então, como em torno dessa ideia reitora gravitam todos as idiossincrasias dos homens de cada condição, aqui mais em função do tempo e do “estrato” social do que, propriamente, do espaço (estamos sempre no mesmo salão de baile). A dança, embora vindo como uma resposta, conhece várias vestes: sobre o mesmo chão, operários dançam fraternalmente, sem qualquer tipo de formalidades; rockabillies, como rejeitando a dança, dão um espectáculo meio dionisíaco, partindo cadeiras, rolando em cambalhotas; …, dança-se ainda o chá-chá-chá, o samba, e muitas outras variantes.
Os exemplos de como a dança surge como um reflexo de algo de co-natural ao homem, ou melhor dizendo, como uma resposta a um apelo natural, podem apontar-se:
1. O oficial alemão que, perante o enxovalho de não encontrar qualquer mulher para dançar, presta-se, segundo parece, À vergonha maior de dançar com um homem (muito embora, prudentemente, coloque uma luva na mão que dá ao par de bailarico).
2. O sujeito que, mandando parar a música, vê uma mulher, logo secundada pelos restantes bailantes, a criar um ritmo musical pelo bater dos pés no chão, como que sugerindo não haver poder que consiga abafar plenamente a condição humana
3. Os grandes revolucionários que, embora querendo romper com tudo-e-mais-alguma-coisa, não resistem a invadir o salão de baile e a dançar agarradinhos.
4. O homem que, mutilado pela guerra, só com uma perna, dança aos pulinhos.
Por outro lado, como reflexo de como o conjuntural se cruza com o estrutural:
1. O modo como o salão de baile, a música e a banda gravitam sempre em função da dança (paradigmaticamente, numa cena a banda está a sair do salão do baile, por o "seu tempo" ter passado).
2. Como, embora em coisa tão inócua como a dança, os homens recusam ao colaboracionista francês a condição de um igual, não o deixando participar na roda (aliás, invectivando-o…).
Dança-se, no le bal, por tudo e mais alguma coisa: para comemorar as vitórias na rua, na guerra, para passar bem a noite, para tocar em alguém do sexo oposto, para se divertir; dança-se em dias de penúria e prosperidade, quando o salão serve para baile ou como espécie de bunker; dança-se quando se quer dançar, quando se pode dançar, e ainda quando querem impedir a própria dança. No fundo, dança-se sempre, e sugere-se que para sempre se dançara.
Parece-me assim que, pela dança, Ettore Scola consegue tocar numa dimensão que tem o seu quê de absoluto. Pela sucessão de imagens de homens em diferentes períodos históricos a fazer a mesma coisa, dançar, começamos a ver algo que está para além, um reflexo de algo que parece irmanar todos os homens na mesma condição. Independentemente de tudo o que nos distingue, ali vemos humanos, acima de tudo humanos, e na sua diferença não hesitamos em considerá-los da mesma carne.
E, isso, sendo poupadinho nas palavras, é genial.
E, isso, sendo poupadinho nas palavras, é genial.
(curiosamente, a imagem do cartaz a anunciar o filme tinha uma gravura representando uma dança, porventura com alguns séculos. Apesar de ter sido por acaso, ajusta-se que nem uma luva ao filme que se passou.)
quarta-feira, abril 01, 2009
Le Bal - Crítica
Le Bal (1983) de Ettore Scola: Observações a um baile
Por Francisco Noronha
Talvez já todos tenhamos imaginado pelo menos uma vez como será o início de uma noite num grande espaço de dança frequentado por muita gente. Como será esse espaço sem as pessoas, as roupas, os risos, os cigarros, as maquilhagens, o barulho, os olhares, os copos, … Como será esse espaço sem aquilo que o motiva: pessoas e movimento. Quando me lembro das poucas vezes que presenciei uma situação dessas, recordo o quão surpreendido fiquei pela solidão do local, transformado numa sala silenciosa como tantas outras. O exercício torna-se ainda mais interessante - e faz-nos sentir porventura um pouco idiotas - se pensarmos que qualquer sala, sem gente, é obviamente isso mesmo e nada mais: uma sala como tantas outras. Sem nada nem ninguém.
Pois bem; Le Bal (1983) satisfaz, logo a abrir, este apetite pelo impensável: acompanhamos na penumbra um homem a percorrer uma sala, ajeitando umas coisas aqui e ali. Repentinamente, acende as luzes. Deparamo-nos então com um salão de dança parisiense anos 80, algures entre o cabaret, o casino e um qualquer concurso televisivo da tv portuguesa anos 90. A câmara dá-nos o salão de frente: o rectângulo para o pé de dança ao meio, um conjunto de cadeiras a ladeá-lo e, acima, quatro ou cinco lanços de escadas de grande comprimento. Olhamos para cima e vemos globos luminosos, enquanto que, um pouco atrás das escadas, nas laterais, os contornos dos degraus superiores e da varanda que dá para o salão se encontram também eles iluminados por um néon muito disco. Por esta altura, já o barman colocou a agulha num disco invocador dos míticos eighties.
Está, então, tudo pronto para o espectáculo: começam a chegar as senhoras, uma por uma, todas elas se mirando escrupulosamente ao espelho para ajeitar um cabelo fora do sítio ou verificar a brancura dos dentes. Todas elas se vão sentando, uma por uma, em cadeiras diferentes. Percebemos então aqui como a música sugere qualquer coisa próxima de uma preparação, um ritual para dar início a… A qualquer coisa próxima de uma missão? Talvez assim o possamos entender quando chegam os homens e se enfileiram como soldados para o ataque ao inimigo. É a vez deles de descerem e se encostarem galantemente ao balcão. Dá-se então início a todo um jogo sedutor de olhares, tiques e preocupações relativamente ao sexo oposto. Aqui compreendemos o que vai mover o italiano Ettore Scola em toda a fita: a atracção e o flirt mútuo entre homens e mulheres (quer serão sempre os mesmos actores). Homens e mulheres que, desde o início, percebemos quererem retratar uma certa diversidade social. Quer em aspectos porventura mais materialistas (na roupa, no bom-gosto ou nos modos), quer em aspectos de índole moral ou psicológica (a mulher lasciva que mostra as ligas; a mulher fria e decidida que chupa o cigarro; a mulher nervosa que à ultima troca os sapatos; ou a paranóica que vai engolindo uns comprimidos à socapa). E o mesmo nos homens.
Toda esta narração altamente descritiva por parte do autor deste escrito é consciente e voluntária: o mesmo seria necessário fazer para avaliar cada momento histórico abordado por Scola num baile que se dança nos anos 30, quando o operariado consubstanciava a sua força na multipolar Frente Popular; nos anos 40, com os bombardeamentos alemães e consequente invasão seguida de libertação; o pós-guerra com o jazz negro importado da América; mais tarde o rock and roll rebelde; e por fim, antes de voltar aos eighties, o ambiente quente das revoltas estudantis francesas dos anos 60. Entre o documentário, o histórico e o musical, Le Bal transforma-se, a meu ver, num intenso (e paciente) exercício de observação. Quer para o realizador, enquanto construtor; quer para o espectador. E, para este último, fará porventura sentido este sensato cliché: Le Bal não é um filme para se ver, mas antes para se observar. E 107 minutos de observação podem ser eventualmente duros para as pestanas. Mas serão, com certeza, um fresco original e curioso de um século.
Como qualquer exercício – neste caso, de observação - Le Bal exige esforço e interesse. Afinal de contas, o mesmo que se exige para se ir dançando no correr dos anos…
Nomeado em 1984 para o Óscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira e vencedor de vários Ursos de Berlim.
Como disse na altura em que fazia a apresentação, assumia as responsabilidades pela escolha do filme... Pelos vistos, não houve responsabilidades para suportar. Pelo menos não todas. :)
Até à próxima sessão!
Francisco.
Por Francisco Noronha
Talvez já todos tenhamos imaginado pelo menos uma vez como será o início de uma noite num grande espaço de dança frequentado por muita gente. Como será esse espaço sem as pessoas, as roupas, os risos, os cigarros, as maquilhagens, o barulho, os olhares, os copos, … Como será esse espaço sem aquilo que o motiva: pessoas e movimento. Quando me lembro das poucas vezes que presenciei uma situação dessas, recordo o quão surpreendido fiquei pela solidão do local, transformado numa sala silenciosa como tantas outras. O exercício torna-se ainda mais interessante - e faz-nos sentir porventura um pouco idiotas - se pensarmos que qualquer sala, sem gente, é obviamente isso mesmo e nada mais: uma sala como tantas outras. Sem nada nem ninguém.
Pois bem; Le Bal (1983) satisfaz, logo a abrir, este apetite pelo impensável: acompanhamos na penumbra um homem a percorrer uma sala, ajeitando umas coisas aqui e ali. Repentinamente, acende as luzes. Deparamo-nos então com um salão de dança parisiense anos 80, algures entre o cabaret, o casino e um qualquer concurso televisivo da tv portuguesa anos 90. A câmara dá-nos o salão de frente: o rectângulo para o pé de dança ao meio, um conjunto de cadeiras a ladeá-lo e, acima, quatro ou cinco lanços de escadas de grande comprimento. Olhamos para cima e vemos globos luminosos, enquanto que, um pouco atrás das escadas, nas laterais, os contornos dos degraus superiores e da varanda que dá para o salão se encontram também eles iluminados por um néon muito disco. Por esta altura, já o barman colocou a agulha num disco invocador dos míticos eighties.
Está, então, tudo pronto para o espectáculo: começam a chegar as senhoras, uma por uma, todas elas se mirando escrupulosamente ao espelho para ajeitar um cabelo fora do sítio ou verificar a brancura dos dentes. Todas elas se vão sentando, uma por uma, em cadeiras diferentes. Percebemos então aqui como a música sugere qualquer coisa próxima de uma preparação, um ritual para dar início a… A qualquer coisa próxima de uma missão? Talvez assim o possamos entender quando chegam os homens e se enfileiram como soldados para o ataque ao inimigo. É a vez deles de descerem e se encostarem galantemente ao balcão. Dá-se então início a todo um jogo sedutor de olhares, tiques e preocupações relativamente ao sexo oposto. Aqui compreendemos o que vai mover o italiano Ettore Scola em toda a fita: a atracção e o flirt mútuo entre homens e mulheres (quer serão sempre os mesmos actores). Homens e mulheres que, desde o início, percebemos quererem retratar uma certa diversidade social. Quer em aspectos porventura mais materialistas (na roupa, no bom-gosto ou nos modos), quer em aspectos de índole moral ou psicológica (a mulher lasciva que mostra as ligas; a mulher fria e decidida que chupa o cigarro; a mulher nervosa que à ultima troca os sapatos; ou a paranóica que vai engolindo uns comprimidos à socapa). E o mesmo nos homens.
Toda esta narração altamente descritiva por parte do autor deste escrito é consciente e voluntária: o mesmo seria necessário fazer para avaliar cada momento histórico abordado por Scola num baile que se dança nos anos 30, quando o operariado consubstanciava a sua força na multipolar Frente Popular; nos anos 40, com os bombardeamentos alemães e consequente invasão seguida de libertação; o pós-guerra com o jazz negro importado da América; mais tarde o rock and roll rebelde; e por fim, antes de voltar aos eighties, o ambiente quente das revoltas estudantis francesas dos anos 60. Entre o documentário, o histórico e o musical, Le Bal transforma-se, a meu ver, num intenso (e paciente) exercício de observação. Quer para o realizador, enquanto construtor; quer para o espectador. E, para este último, fará porventura sentido este sensato cliché: Le Bal não é um filme para se ver, mas antes para se observar. E 107 minutos de observação podem ser eventualmente duros para as pestanas. Mas serão, com certeza, um fresco original e curioso de um século.
Como qualquer exercício – neste caso, de observação - Le Bal exige esforço e interesse. Afinal de contas, o mesmo que se exige para se ir dançando no correr dos anos…
Nomeado em 1984 para o Óscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira e vencedor de vários Ursos de Berlim.
Como disse na altura em que fazia a apresentação, assumia as responsabilidades pela escolha do filme... Pelos vistos, não houve responsabilidades para suportar. Pelo menos não todas. :)
Até à próxima sessão!
Francisco.
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